Um documentário que mostra, através de uma pequena tragédia urbana, a realidade das grandes cidades brasileiras.
A realidade brasileira rende possibilidades muito extensas para se fazer cinema. Ainda assim, muitos diretores da atualidade parecem atraídos como um imã para o tema da pobreza, principalmente no Rio de Janeiro, cidade de contrastes desumanos entre os ricos e os pobres. Ônibus 174 proporciona, após o lançamento da obra-prima hoje reconhecida mundialmente por City of God, o melhor momento cinematográfico de nosso país explorando esse tema. Os dois filmes complementam-se perfeitamente: um é a dramatização da realidade; o outro é a realidade. São dois trabalhos que fazem com que assistir a qualquer outro filme com o tema torne-se irrelevante, pois eles dizem tudo o que há para dizer.
A cena inicial é maravilhosa: dotada de uma linda - ou melhor, deslumbrante - seqüência aérea da cidade fluminense, ela resume o drama brasileiro da desigualdade social sem precisar de palavras - embora vários depoimentos paralelos às imagens aconteçam. É muito provavelmente o melhor toque de direção de José Padilha em todo o longa. O que vem daí para a frente é óbvio e previsível: polícia despreparada, cidadãos marginalizados pela sociedade e por eles mesmos através das drogas, irresponsabilidade pública e privada. É o Jornal Nacional levado às telas do cinema quase que literalmente.
Sandro do Nascimento assaltou um ônibus e fez vários reféns. Algo que não terminou bem no final do dia. E então? A quem culpar? A incompetente administração pública? A ele mesmo, drogado e ignorante? Ao Estado, que deixou-lhe ser ignorante? A mim, que pouco me importo com a sua situação? José Padilha joga para todos os lados. Atitude sem perspectiva essa! Não há uma resposta, quanto mais uma resposta fácil, que possa ser conseguida em um documentário, por melhor que este seja.
Ficar em cima do muro não significa ser covarde, e sim tentar não ser injusto. Se não há uma resposta para um problema, não há porque culpar alguém. O filme mostra depoimentos de todos os lados - dos guris de rua, dos policiais, de bandidos assumidos, de pseudo-intelectuais, embora tenda pelo menos um pouco mais para o lado dos pobres, o que pode tornar-se irritante para alguns espectadores, dependendo de suas crenças políticas e sociais.
Como cinema, Ônibus 174 consegue ser um trabalho bem regular, embora tenha uma duração um pouco além do que o realmente necessário. O excesso de entrevistas de conteúdo redundante acaba prejudicando o ritmo do filme em muitos momentos e, para o espectador brasileiro que já conhece os acontecimentos, creio que seja difícil chocar alguém. Pelo menos para quem vive na realidade e a conhece como um cidadão normal. Para o público internacional - o filme foi incrivelmente bem aceito na crítica fora do Brasil - este deve ser um filme muito superior pelo elemento da surpresa: como acabará o sequestro no ônibus 174?
Este é um dos grandes documentários dos últimos anos. Importantíssimo em conteúdo, mesmo que não vá mudar a realidade e bom como cinema. Um trabalho que deve ser conferido e analisado corretamente para o entendimento um pouco mais aprofundado de nossa realidade, pelo menos a realidade das grandes cidades, onde a violência impera e o mundo está virando uma anarquia cada vez maior.
Documentário espetacular - e perturbador!