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Onde Andará Dulce Veiga?

(Onde Andará Dulce Veiga?, 2007)
6,4
Média
17 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

"Pós-tudo"

7,5

Onde Andará Dulce Veiga? (2007) é o sexto longa-metragem da carreira de Guilherme de Almeida Prado, realizado nove anos após A Hora Mágica (1999). É uma adaptação do romance homônimo de Caio Fernando Abreu, publicado em 1990. A ideia original do filme surgiu quando o livro ainda estava sendo produzido, mas teve que ser engavetada por falta de recursos e o longa-metragem só veio a ser realizado após a morte do escritor. O enredo inicial é aparentemente simples: um jornalista (que não por acaso chama-se Caio de Almeida, junção do nome do escritor com o do diretor) recém empregado é encarregado de fazer uma matéria sobre uma banda de rock quando descobre que a vocalista da banda, Márcia, é filha de Dulce Veiga, uma atriz famosa que está desaparecida há 20 anos. Isso traz à tona uma série de lembranças reprimidas do inconsciente do escritor, que então parte em uma jornada detetivesca com esperanças de encontrá-la. E assim, como em outros filmes do cineasta, nada é o que parece à primeira vista.

Em diversos momentos, a realidade mistura-se ao sonho, às lembranças nebulosas e aos devaneios de Caio (Eriberto Leão), que tem um passado embaçado e memórias fragmentadas da tão mencionada Dulce Veiga. Como os próprios personagens afirmam, "nada é realmente aquilo que parece ser. Tudo é pós-moderno, pós-tudo”. A montagem do filme por vezes apropria-se dessa estética, utilizando de maneira criativa cortes e repetições de planos e falas dos atores com pequenas alterações para ressaltar esse questionamento da realidade. Os cenários e figurinos abarcam cores vibrantes e atraentes, mantendo-se longe de uma estética realista, como na maior parte da obra de Guilherme de Almeida Prado. Já o uso do chroma-key é uma novidade comparado aos filmes anteriores do diretor, mas é um recurso que encaixa bem com a artificialidade e a plasticidade do filme. 

Aliás, em Onde Andará Dulce Veiga? encontram-se diversos elementos que estão presentes em toda a sua filmografia, seja a atmosfera noir, as cenas da vida noturna urbana, ou a presença de atrizes icônicas de seus outros filmes, como Imara Reis, de Flor do Desejo (1984), Maitê Proença, do A Dama do Cine Shangai (1987), Christiane Torloni (que neste filme interpreta Lyla Van, figura também presente em outros filmes de Guilherme), de Perfume de Gardênia (1992), e Júlia Lemmertz, de Glaura (1995) e A Hora Mágica (1999). Os filmes de Almeida Prado sempre contam com a presença de mulheres fatais, misteriosas, que dão rumo à narrativa ao mesmo tempo que são sujeitas às idealizações dos personagens masculinos, mas revelam-se complexas e independentes, alheias às expectativas deles. 

No entanto, se nos outros filmes do diretor as femmes fatales vestem-se com o memorável vermelho, cor da paixão, da sensualidade, neste filme a cor mais marcante que Dulce Veiga usa é o verde. Além de seu vestido, seu apartamento e sua famosa poltrona também são dessa cor. Verde como o chroma-key, sobre o qual se fabricam diversas realidades diferentes. De fato, durante o filme, Dulce é lembrada, imaginada, projetada por vários personagens, mas nunca temos uma sensação de quem é de verdade; os relatos divergentes constroem uma imagem fragmentada da estrela, como as memórias de Caio.

Apesar da beleza das cores, luzes e das imagens carregadas de símbolos e referências (ao próprio cinema, teatro, música), e o fascínio obtido pelo mistério em torno das lembranças desconexas do jornalista, emaranhadas na realidade, a busca por traçar conexões entre uma rede de informações - em especial ao passado em comum do jornalista e o de Dulce Veiga - revela-se frágil. Essa mesma necessidade de criar ligações entre eventos diversos da narrativa, artifício que conferiu força aos filmes anteriores do realizador e demarcou seu estilo, como ocorre em A Flor do Desejo e A Dama do Cine Shanghai, é aqui o ponto mais fraco do filme. É uma escolha que parece se apoiar na ideia "pós-moderna", "pós-tudo" para justificar conexões um tanto absurdas que não se sustentam e não olham para si mesmas de maneira crítica.

Quando Caio finalmente vai ao encontro de Dulce Veiga, no "país verdadeiro", longe das perucas, fantasias e excessos de São Paulo e Rio de Janeiro (onde ele passa por um breve momento na narrativa), ela não veste mais o verde, mas sim um vestido amarelo. Ela seria então "apenas Dulce Veiga, não aquilo que todos queriam que eu fosse, mas não sou" (cabe ao espectador acreditar se é ela mesmo ou se é uma construção da imaginação do personagem). O protagonista tem a esperança de encontrar o real, de desvelar a verdade, fazendo com que as peças de seu quebra-cabeça mental finalmente se encaixem. Mas Dulce não se compromete a responder suas dúvidas, e o verde intenso continua rodeando os personagens, dessa vez encarnado nas folhagens na Floresta Amazônica. A artificialidade continua presente, e o filme se fecha com um (questionável) número musical sob a chuva equatorial, nunca se distanciando da fantasia, da qual a própria personagem-título do filme buscava se afastar.

Onde Andará Dulce Veiga? é sem dúvidas um filme complexo. Investe na caricatura e no excesso, seja nos seus figurinos, diálogos ou escolhas dramáticas. As inúmeras (auto) referências abrem uma discussão sobre o próprio cinema e a construção de realidades. É, por fim, um filme que carrega consigo fortes marcas do estilo intrigante de seu realizador, que por vezes parece que se perde na execução de um padrão já conhecido.

Filme partícipe do Especial Guilherme Almeida Prado - Breve Relato.

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