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Críticas

Cineplayers

Novos olhos escondendo os mesmos segredos.

6,0
A comparação de Olhos da Justiça (Secret in Their Eyes, 2015) com o argentino O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de sus Ojos, 2009) é inevitável e, por isso, antes de começar a análise do remake americano, vale esclarecer que são sim filmes muito próximos, não porque contam a mesma história (com poucas variações), mas porque retratam nas entrelinhas as crises que assombram seus países de origem. Se no filme de Juan José Campanella temos uma ligação entre um crime não solucionado com a ruína política na Argentina após a morte de Juan Domingo Perón, aqui a ponte se conecta com uma América tentando se recompor após o atentado terrorista de 11 de setembro. Não há muitos truques ou maquiagem para tentar distanciar o remake da obra original, e o diretor Billy Ray nem ao menos concentra seus esforços nisso, e talvez seja essa sinceridade com o material o maior acerto.

A história ainda gira em torno da investigação mal sucedida de um estupro e assassinato de uma jovem, só que dessa vez há um grau de parentesco entre a vítima e um dos investigadores. Jess (Julia Roberts) tem sua vida arruinada quando, durante uma ação rotineira, se depara com o corpo de sua própria filha na cena do crime. Ray (Chiwetel Ejiofor), seu parceiro, se torna obsessivo em perseguir os rastros de um suspeito protegido pelo alto escalão da polícia. Claire (Nicole Kidman), a promotora, também não consegue superar o arquivamento precoce e forçado do caso, ao mesmo tempo em que luta contra os sentimentos platônicos latentes entre ela e Ray.

A principal alteração em relação ao filme original está na personagem de Julia Roberts, nascida como uma amálgama do personagem do marido com o personagem do investigador da produção argentina. Sua presença mais ativa na investigação do caso confere alguma imprevisibilidade e mistério em meio a uma trama que segue à risca a sucessão de fatos do primeiro filme. Fora isso, não há o fator surpresa, apenas uma reprodução um tanto anêmica de O Segredo dos Seus Olhos, o que trai um pouco a ideia de mistério embutida no título em inglês. 

O que vai saltar de fato aos olhos será o trio principal. Cada ator defende com unhas e dentes seus respectivos personagens, e a dinâmica entre eles dá vida e garante o interesse na trama. O desempenho de cada um é impressionante. Enquanto Nicole Kidman e Chiwetel Ejiofor conquistam um espaço de destaque através de sólidas interpretações, Julia Roberts surge novamente em um tour de force após sua performance memorável em Álbum de Família (August: Osage County, 2013), provando um avanço e maturidade cada vez maiores em sua carreira. O que lhe falta, infelizmente, ainda é um diretor capaz e um filme à altura de seu talento, o que não acontece desde Closer - Perto Demais (Closer, 2004). 

O segundo ponto de destaque está na atualização do pano de fundo, migrando da crise política argentina dos anos 1970 para a paranoia americana pós 2001. Muitos foram os filmes que tentaram fazer um raio-x do tema, mas poucos enfrentaram tão de frente as cicatrizes ainda em aberto no orgulho americano. Mesmo que seja uma análise limitada e que muitas vezes fica só na intenção, há momentos em que o roteiro consegue emplacar boas sacadas e observações sobre a rotina de uma potência que foi atacada bem no seu coração financeiro e um dos símbolos máximos de sua força.  

No entanto, o diretor parece confiar demais no material original, na produção de Campanella e na sintonia dos atores centrais, e por isso o filme se limita muito narrativa e esteticamente. O famosíssimo plano-sequência no estádio do filme argentino aqui dura bem menos e não tem nenhum brilho, tudo ocorre rápido demais e não há tempo para criar um vínculo ou empatia com os dramas dos personagens. O romance frustrado de Ray e Claire, o sentimento latente de vingança de Jess, a culpa que consome Ray mesmo após anos depois do arquivamento do caso e a vida infeliz e amargurada de Claire – tudo está pasteurizado, tratado com pressa e sem muito aprofundamento. A questão do passar dos anos (intercalando passado e presente) e de como os fantasmas do passado ainda pairam sobre os três é um reflexo de uma América que jamais se sentiu devidamente vingada, de uma nação ainda frustrada, amargurada e fragilizada após o atentado terrorista. Contudo, esse paralelo é mal desenhado e pouco evidente. No olhar de cada um dos três atores/personagens essa dor pode ser percebida e sentida, mas no filme em geral tudo não passa de um segredo que já perdeu o valor depois de há muito revelado.

Comentários (2)

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