É uma demanda de mercado argentina que já invadiu o Brasil faz alguns anos com resultados sempre positivos: o ano não pode acabar sem que ao menos um filme estrelado por Ricardo Darín apareça no circuito para trazer alegria para o cinéfilo médio, e é muito bom quando essa espera tornada padrão tem um resultado positivo. O novo filme de Sebastián Borensztein é a terceira parceria consecutiva com Darín (as anteriores, Um Conto Chinês e Koblic) ainda resultando em sucesso, se trata aqui da maior bilheteria do ano no país e o longa escolhido para representá-los no Oscar, que acaba se mostrando um feliz passatempo, muito agradável e um belo presente para os fãs do ator, além de um libelo político muito interessante.
Trata-se de um filme passado no auge da crise econômica argentina da década passada, quando eles tiveram suas contas parcialmente congeladas (em movimento que lembrou muito a ação do governo Collor aqui no Brasil, 10 anos antes) e a recessão da população destruiu as possibilidades do país. A partir disso, o filme acompanha uma história fictícia narrada em tom levemente documental sobre um grupo de moradores de um lugarejo argentino que havia se juntado para reabrir uma fábrica local através da criação de uma cooperativa. Eles se reúnem para uma arrecadação coletiva na vila e, ao depositar todo o valor arrecadado para comprar o espaço no banco, nessa jogada do governo acabam tendo seus bens retidos. Ao descobrirem que o gerente do banco o convenceu a tal para roubar seu montante, pois sabia antecipadamente da apropriação, eles partem para o contra ataque.
O filme tem um cuidado genuíno de desenhar cada um dos muitos personagens centrais do filme, que têm histórias de vida marcadas pelo fracasso coletivo após uma ascenção que se mostrou temporária. O próprio personagem central vivido por Darin, se trata de um jogador de futebol na juventude que sobrevive a uma fama exclusiva onde nasceu por ter feito um gol decisivo na vida. No entanto, esse foi seu único momento de glória, e embora seja realmente tratado como um ídolo, sua estátua deteriorada na praça da cidade é uma sutil sublinhação do estado das coisas entre aqueles homens e mulheres, cuja última esperança de evolução foi roubada. Todas as histórias têm suas peculiaridades cômicas e ao menos uma delas é essencialmente dramática, e o filme tratará dela com um cuidado espacial, pontuando uma relação entre mãe e filho que o tempo destruiu.
De montagem dinâmica e uma direção muito enérgica de Borensztein, que se adequa com extrema eficiência aos projetos onde se envolve e adquirindo as características de cada um de seus filmes sem parecer um operário padrão, A Odisseia dos Tontos só carece de senso de novidade. Se classificando como uma comédia movimentada de roubo, a própria Argentina já promoveu uma série de filmes nessa pegada ao longo dos anos - inclusive o surgimento de Darín no mundo foi com uma versão sofisticada do gênero, Nove Rainhas. Ainda que divirta e seja bem feito, com linhas de diálogo corretas e uma direção nada burocrática, o filme não se difere de tantos produtos jogados anualmente no mercado, ainda que dentro de sua seara nada de errado tenha sido feito.
A cereja do bolo é a diversão com que claramente essa história é contada, principalmente pelo elenco. Darín está bem como sempre, mas seu companheiro de cena Luis Brandoni (de Minha Obra-Prima) está impagável mais uma vez. O filho de Darín, Chino, cada vez mais se configura como uma promessa do país, assim como Marco Antonio Caponi sublinha muito bem suas inserções de conflito dramático em parceria com Rita Cortese, e Andres Parra se sai igualmente muito bem em seu tipo vilanesco. Com essa equipe, A Odisseia dos Tontos se configura como um entretenimento acima da média e que garante a manutenção positiva do status de Ricardo Darín por aqui e por lá.
Crítica da cobertura da 43ª Mostra de São Paulo
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário