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Críticas

Cineplayers

Sobre a finitude.

8,0

Caetano Gotardo evidencia em O Que Se Move (2012) uma característica que o cinema compartilha com a música: o tempo. Uma arte temporal só é plenamente aproveitada quando consumida simultaneamente, de uma só vez, já que a desenvoltura de início, meio e fim é essencial para que seja criado um efeito. O próprio título, O que Se Move, já apresenta essa relação. O cinema é imagem em movimento. Formas e corpos ocupam espaço e se deslocam por ele, dentro de uma determinada faixa de tempo. O Que Se Move captura a vida, registra-a e a projeta, e não apenas a eterniza de maneira estática.

Portanto, cada uma das três histórias de O Que Se Move não apenas utiliza o recurso da música e do canto para expressar o íntimo dos seus protagonistas, mas também fala a característica principal do tempo para a nossa perspectiva humana: o tempo passa, acaba e se esvai. Nós, seres temporais, somos governados pela sensação constante que um dia, inevitavelmente, encontraremos o nosso fim. O Que Se Move fala sobre fim, sobre perda e tempo perdido; fala sobre recomeço e mostra que, ainda que temporal, tudo é relativo. Duas histórias sobre perdas e uma sobre reencontro, todas contendo a temática materna e todas revolvendo através da constatação que jamais poderemos aproveitar todo o tempo que nos é dado da formo como idealizamos.

Idealização e decepção, sonho chocando-se contra a realidade; O Que Se Move justifica o tom falso de diálogos pouco naturalistas armando justamente um palco para seus protagonistas. Um palco que é o ambiente de cada um dos personagens, onde os dançarinos são jogadores de videogame ou pessoas que aguardam, onde as piruetas são mínimas. Caetano Gotardo faz de certa forma um surpreendente musical intimista, parodiando todo seus elementos clássicos através do minimalismo, com o canto sempre surgindo de maneira pouco natural, quebrando o pacto realista trabalhado de forma artificial e posada para a licença que a música permite: extrair do cotidiano a perspectiva mágica, de não trabalhar apenas com um decalque da realidade, mas antes um esforço em compôr a realidade em si.

Tal característica que salva O Que Se Move de ser meramente paródico, de apenas fazer um musical em tom menor. É um filme que trabalha com referências que agregam a uma linguagem contrastante – os longos planos, a profundidade de campo, a preferência pela transformação dentro do quadro do que pelo efeito causado do choque entre dois planos – choque esse utilizado de maneira sutil, procurando realçar a música por trás do tempo no cinema – por trás dos movimentos de câmera, dos deslocamentos no espaço, dos enquadramentos, da velocidade dos cortes.

Algo sobre o que Eisenstein já discorria no livro O Sentido do Filme: as relações entre imagem, cor, som e música. Caetano Gotardo dá sua própria visão, sua própria perspectiva, fazendo um filme que mais pertence ao gênero lírico do que ao épico. E a semelhança que o aproxima é justamente por não acreditar no cinema dramático e narrativo tradicional, apostar em outro modo de contar história utilizando-se elementos cênicos, fotográficos e sonoros.

O Que Se Move pode até enganar pela simplicidade, mas a impressão de um jogo complexo de cumplicidade criado através dos diálogos cotidianos encenados de forma recitada e a música que surge a partir das tragédias dos protagonistas cria um diálogo inquietante com o espectador, e não é à toa que o cinema é de forma recorrente associado à vida por causa do seu movimento a ponto de se confudir com a própria imagem que representa iconicamente: O Que Se Move é sobre deslocar-se através do espaço e do tempo, é sobre estar preso a uma cadeia de situações, mas libertar-se através de uma arte temporal, procurando a redenção absurda dos musicais, cujos personagens quebram a quarta parede cantando, pedindo para o espectador compreensão dentro do tempo que é dado no filme. Porque o que se move um dia enconra o fim de seu movimento, assim como O Que Se Move encontra o final de sua projeção, apenas para voltar ao ponto zero e recomeçar de novo. Caetano Gotardo registra a vida de forma irreal porque essa é a função do cinema e da música, da arte do tempo que quer criar sugestão e efeito: falar sobre emoção. E O Que Se Move abusa da falsidade, distanciando-se da narrativa tradicional que assume-se como verdadeira, para falar de uma realidade íntima, que todos nós compartilhamos, mas poucos de nós falamos. E aqui nós não apenas finalmente falamos; desta vez, cantamos.

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