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Críticas

Cineplayers

Um mar de estereótipos, artificialidade e merchandising mal encaixado fazem deste um trabalho bem medíocre do cinema nacional.

4,0

A cineasta baiana Monique Gardenberg até demonstrara certo talento em seu primeiro longa-metragem, o irregular Jenipapo, de 1995, mas duas produções medíocres depois – Benjamim, de 2003, e este Ó Pai, Ó – ela passa a integrar o enorme bolo de realizadores nacionais sem muito a acrescentar à cinematografia nacional.

Ó Paí, Ó era material para um avanço na carreira de Gardenberg, até porque a idéia do roteiro, escrito pela própria, possibilitava muitas leituras: vários personagens, cada qual com seu próprio desenvolvimento dramático, que aos poucos vão se interconectando e formando todo um painel. É puro formato estilístico consagrado por Robert Altman, em filmes como Short Cuts – Cenas da Vida e O Jogador, com Los Angeles dando lugar a um bairro central de Salvador, durante a terça-feira de Carnaval. Um cortiço é a referência para a gama de personagens, que inclui um travesti, uma cobiçada dançarina recém-chegada, um pintor bom caráter, um aleijado, a lésbica boa-praça dona de um bar, a filha da terra que recentemente voltou do exterior, o bissexual garanhão e alguns outros menos cotados (a maravilhosa cantora Virginia Rodrigues faz uma pontinha como a Beyoncé da Bahia)!

Ao invés de desenvolver esses tipos tão comuns do nosso povo, dando-lhes profundidade, Gardenberg prefere concentrar-se nos estereótipos, já tão explorados pelo nosso cinema. A única personagem que recebe atenção maior é Dona Joana (a atriz Luciana Souza), a dona do cortiço. De fortes convicções religiosas, ela entra em conflito com os demais moradores ao fechar o registro de água do local por desaprovar a atitude libertina de todos durante o período de folia, além de não suspeitar que seus filhos pequenos estão bem longe daquilo que ela pensa que são.

Outro bom momento é quando há um embate entre Roque e Boca, personagens de Lázaro Ramos e Wagner Moura, respectivamente. Um diálogo forte e preciso a respeito do preconceito, indispensável à história por simbolizá-la. Discutível apenas a escalação mais uma vez desses dois atores em uma produção nacional. São certamente os melhores surgidos através do cinema da Retomada (lembrando que ambos têm uma extensa base teatral anterior, principalmente na própria Salvador), mas a superexposição é preocupante, até porque já conquistaram seus espaços também na televisão. Outra que precisa se preocupar com isso é Dira Paes, também presente aqui.

A ausência de uma análise comportamental sobre os personagens de “Ó Pai, Ó” (algo como “olhe para isso, olhe”, em “baianês”) provoca duas conseqüências contrárias. A primeira é que deixa o filme sem qualquer tipo de propósito: após a projeção, não sabemos exatamente sobre o quê o filme se propôs a dizer. Amorfo, parcial e artificial, deixa a sensação que é uma grande bagunça narrativa. A boa conseqüência é que o filme ganha leveza, com a ajuda da trilha sonora de ritmos locais. Mas também esse aspecto é prejudicado pelo final constrangedor, uma última tentativa de dar alguma relevância ao filme. Deixa um gosto azedo a um filme já destrambelhado.

Um adendo: não é possível que seja tão difícil inserir criativamente merchandising durante um filme. O uso da imagem de um avião de uma companhia aérea é de um mau gosto tremendo e nos remete ao que há de pior no nosso cinema.

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