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Críticas

Cineplayers

Uma grande e risível bobagem do irregular diretor Joel Schumacher. Totalmente dispensável.

3,0

Joel Schumacher não merece a reputação que tem como diretor sem talento. Em sua carreira, o cineasta já orquestrou diversos filmes interessantes, como Um Dia de Fúria, Ninguém é Perfeito e Por um Fio. No entanto, Schumacher merece, sem dúvida, a reputação de diretor irregular, pois também é o responsável por abominações do nível de Batman & Robin, Má Companhia e este Número 23.

Escrito pelo estreante Fernley Phillips, o filme conta a história de Walter Sparrow, um “buscador de animais perdidos”, que recebe um livro de presente da sua esposa. Assim que começa a leitura da obra “O Número 23”, Sparrow entra na paranóia a respeito do número, acreditando que o livro é sobre sua vida. Enquanto investiga a identidade do autor do livro, descobre que tudo pode terminar de maneira trágica.

Esta é, pelo menos, a história que Schumacher e Phillips tentam contar. Na realidade, Número 23 é uma produção narrativamente caótica, que jamais encontra uma estrutura coerente e não consegue fazer sentido algum. Ainda que mantenha um bom senso estético, o filme perde-se completamente em seu desenvolvimento, sem manter uma linha lógica ou ir de um ponto a outro sem enfrentar tropeços.

É uma pena, pois tramas sobre personagens paranóicos, quando criadas com cuidado, podem render ótimos resultados. Aqui, porém, Schumacher parece não ter a intenção de abordar o aspecto psicológico do enredo e a maneira como o personagem perde a sanidade. Tudo acontece de uma hora pra outra: Sparrow ganha o livro, lê algumas páginas e subitamente está escrevendo maluquices numéricas na parede. Não é um processo gradual e, por isso, permanece artificial ao espectador.

Além de perder a chance de entregar um interessante suspense sobre como um homem normal perde-se em sua própria mente, Schumacher ainda tenta de todas as formas enfiar goela abaixo do espectador a teoria sobre o número 23. Ao invés de ater-se aos fatos principais (como o eixo de inclinação da Terra e a quantidade de cromossomos), o roteiro tenta achar “provas” que chegam a ser risíveis, tendo o efeito contrário: ao invés de reforçar a teoria, o espectador acaba se convencendo que tudo não passa de uma grande besteira. É o caso, por exemplo, das insistentes tentativas de usar o 32 (“23 ao contrário”, dizem os personagens) e até o uniforme de Al Capone.

Se estes dois pontos de Número 23 fossem tratados com maior cuidado, o filme poderia ser até agradável e, quem sabe, o restante da baboseira da trama não teria tanto peso. Mas não há como negar que a história de Phillips é incrivelmente desconexa e repleta de furos. Por exemplo, a maneira como Sparrow descobre sobre o assassinato de Laura não tem relação alguma com o livro ou com o número. Foi só sua raiva por um cachorro que o guiou até lá. E quer justificativa mais patética pra isso do que o fato do tal cãozinho Ned ser o Guardião dos Mortos?

Aliás, o livro propriamente dito é um caso à parte. Pelo que se vê no filme, a obra literária que desperta a loucura do personagem é terrivelmente ruim, uma imitação barata e clichê de noir capaz de ser escrita – de maneira melhor – por qualquer um que já assistiu a uma produção do gênero. Não se encontra, em momento algum, qualquer qualidade literária que faça o livro ser tão envolvente para aqueles que o lêem.

Como se tudo isso não bastasse, o roteirista insulta a inteligência do espectador ao inserir momentos e falas para dar um acréscimo dramático à determinada cena, mas que não fazem sentido na relação geral com a trama. É o que pode ser constatado quando o professor fala para Carrey, quando eles se encontram: “Você deveria estar morto”. Mas por que ele deveria estar morto? Como se descobre depois nos flashbacks, o próprio professor viu que ele havia sobrevivido. E por que o professor toma a atitude que toma logo em seguida?

E tem mais: em outro momento, Agatha, interpretada por Virginia Madsen, admite ter retirado provas de um crime de determinado local. Só que, após tudo ser esclarecido, a polícia parece ter perdoado a personagem, uma vez que não se toca no assunto e ela escapa sem punição. E já que falei em Agatha, o que é a cena do primeiro encontro entre ela e Sparrow? Poderia ser mais infantil, clichê e fora do tom do filme?

Claro, com um argumento tão capenga e repleto de rombos grotescos, não se poderia esperar outra coisa de Número 23 além de um final lamentável. Toda pessoa que já assistiu a dois filmes de suspense na vida consegue adivinhar de antemão a “surpresa”. Mesmo assim, sua previsibilidade não é o grande problema, mas sim a falta de lógica quando se analisa a explicação dada. Não vou entrar em detalhes para não revelar o final, mas as perguntas sem resposta vêm em bom número.

O elenco nada consegue fazer em meio a essa bagunça. Sempre fui fã de Jim Carrey, tanto em seus papéis cômicos quantos nos dramáticos, mas em Número 23 ele parece completamente perdido, sem saber que caminho tomar. Na realidade, parece mais à vontade nas cenas noir, onde imprime um leve toque humorístico ao personagem, do que nas cenas mais pesadas. O mesmo acontece com Virginia Madsen. Talentosa, a atriz ainda consegue oferecer certa dignidade à personagem, mas é prejudicada pelo tratamento clichê dispensado pelo roteiro, ao mesmo tempo em que nada pode fazer além de parecer sexy na trama paralela.

Ainda assim, há algo a ser salvo no lamaçal que é Número 23: o lado técnico da produção. A belíssima fotografia de Matthew Libatique cria interessantes distinções entre as duas tramas, realçando o clima soturno da primeira e o aspecto etéreo da segunda, sempre enevoado. Além disso, os planos que revelam a infância de Sparrow são bem concebidos e esteticamente bonitos.

Mas estas – poucas – qualidades podem até passar despercebidas em meio à bagunça composta por Joel Schumacher. Fica a dúvida em relação aos motivos que levaram Jim Carrey, até então seleto em seus projetos “sérios”, a aceitar este papel. Talvez tenha sido o fato de interpretar um “detetive de animais”, uma forma de homenagear Ace Ventura, o personagem que o lançou ao estrelato. Provavelmente achou que teria a chance de falar com a bunda de novo. Uma pena que, dessa vez, isso ficou a cargo de Schumacher.

Comentários (1)

Matheus Gomes | segunda-feira, 28 de Outubro de 2019 - 16:33

"Provavelmente achou que teria a chance de falar com a bunda de novo. Uma pena que, dessa vez, isso ficou a cargo de Schumacher. "


LOL.

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