Nessa crescente expansão de adaptações dos HQs da Marvel para o cinema, que despontou mais forte em X-Men (2000) e ganhou uma noção de universo compartilhado a partir de Homem de Ferro (Iron Man, 2008), de onde se originou toda essa potência que domina o cinema blockbuster atualmente, muitos personagens acabaram ficando de lado em função dos mais conhecidos e de grande apelo, como o Homem-Aranha, o Capitão América e o Hulk. Conforme esse filão cresceu, a Fox foi ficando para trás e o Estúdio Marvel/Disney mirou em trazer para si os X-Men, que possuem todo um universo ainda não absorvido pelo império dos Vingadores. Uma primeira opção para isso foi partir de um projeto que estava engavetado e sem muitos vínculos com a franquia original chamado Os Novos Mutantes (The New Mutants, 2020), que apresenta os personagens lado B dos quadrinhos da trupe do Professor Xavier.
Mas essa manobra seria muito arriscada, pois o projeto de Os Novos Mutantes foi concebido lá em 2017, antes de a Fox ser comprada pela Disney, e passou por diversos atrasos e adiamentos na produção e lançamento, trazendo-lhe a fama de filme “micado” no mercado. A onda mundial do Covid-19 contribuiu para esse atraso e, no fim das contas, acabou sendo lançado somente em 2020 e sem vínculos com a franquia da Fox, e com poucas chances de ser absorvido pelo MCU. Trata-se, portanto, de um elo perdido, e por incrível que pareça essa classificação o acaba favorecendo. Afinal, longe de seguir a fórmula de um filme de super-heróis, Os Novos Mutantes tem algo de conceitual e mais puxado para o horror psicológico, que pouco impressionaria um público sedento por lutas, uniformes de borracha e contexto politizado. Sua pegada é bem mais kitsch e underground, o que talvez no futuro signifique total esquecimento ou na melhor das hipóteses lhe garanta um status de cult.
Sua base está nos quadrinhos dos anos 1980, que trouxeram uma nova leva de mutantes ao universo dos X-Men, numa espécie de spin-off em que os criadores ousaram adotar um tom sombrio e temas mais pesados. Isso explica essa primeira hora mais lenta, dedicada a uma apresentação pouco aprofundada dos personagens, mais ancorada na análise de seus poderes como manifestações de seus traumas, diferentemente dos X-Men originais, que tinham suas posições políticas e personalidades representadas pelas mutações. Livre dessa carga de amarrar o filme a um contexto histórico ou abraçar causas sociais, essa adaptação trata de personagens atormentados pelo passado e que canalizam os poderes de maneira auto destrutiva e quase sempre vilanesca. Não há neles qualquer vestígio de heroísmo, senso de dever ou metáforas sobre o amadurecimento. Ainda que exista uma pluralidade de origens, como a protagonista indígena e um aluno brasileiro, essas questões culturais pouco definem suas personalidades ou conflitos.
Assumindo-se um filme de terror psicológico, acaba num meio termo híbrido entre horror, fantasia, ficção-científica e o subgênero das franquias de super-heróis, transitando com pouca naturalidade entre uma coisa e outra. A meia hora final, quando decide se enquadrar num formato mais clássico de lutas coletivas entre os mutantes e os vilões, é curiosamente anticlimática e pouco condizente com o que foi construído até então, sendo tarde demais para tentar abraçar esse lado mais reconhecível e esperado por parte do público que espera assistir ali a um filme dos X-Men. Há também uma desproporção na atenção dada entre os cinco personagens centrais, sendo difícil para alguém que não conhece previamente os quadrinhos entender como funciona o poder de cada um ou mesmo os detalhes que os levaram até ali. O único ponto em comum que os une é o medo – tema central da obra, que como em qualquer filme de horror que se preza, é o que se manifesta em diversas formas para assombrar as vítimas. Mas ainda é pouco para qualquer vínculo com o público. Se na franquia original foi tão fácil criar empatia por personagens como Wolverine, Jean Grey, Vampira, Tempestade, Ciclope, Professor Xavier e até os vilões Magneto e Mística, aqui a maioria soa desinteressante – também por culpa de um elenco pouco entrosado e sem carisma.
Justiça seja feita, há algo de muito arriscado em toda essa produção que vale a pena reconhecer. Se aproveitar do sucesso de uma franquia consolidada como os X-Men para fazer um filme tão fora de qualquer molde utilizado por seus antecessores lhe permite decisões pouco usuais e interessantes, como o casal de mutantes lésbicas (algo que a Marvel vem ensaiando há mais de uma década e sem saber qual personagem arriscar em um romance homossexual sem provocar uma possível rejeição), ou os elementos de puro horror, como os homens sem face que atormentam os sonhos de Illyana (Anya Taylor-Joy), abdicando da ação e da aventura em troca de algo mais introspectivo e de ritmo lento. Massacrado mesmo antes de ser lançado, é um desses filme que já chegam rejeitados e com a fama de amaldiçoados, mas vale como curiosidade e abre um leque de opções para que futuros cineastas fujam um pouco da receita de bolo que a Marvel repete filme após filme, arrisquem novas abordagens e explorem os diferentes ângulos que podem existir numa franquia assim.
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