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Críticas

Cineplayers

A superficialidade de Jodie Foster e seu castor falante.

3,5

Quando um filme como The Beaver (o título nacional, Um Novo Despertar, é mais um exemplo da completa falta de noção dos responsáveis por fazê-los) chega aos cinemas, sempre me deixa intrigado como o cinema americano (ok, não somente o americano) constantemente cai na armadilha de gastar um dinheiro absurdo com filmes irrelevantes. Pior, sob argumentos sérios, de estudo de personagem ou discussão sobre uma questão importante, como os vários tipos de manifestação da depressão na nossa sociedade, o que é o caso. De boas intenções o inferno e os cinemas estão cheios, todos nós sabemos disso. Jodie Foster, infelizmente, parece ignorar essa questão ou simplesmente decidiu tentar, mais uma vez, mostrar que tem talento também por trás das câmeras. Pois bem, deu errado.

The Beaver é um filme padrão, que mostra a vida de uma família igualmente padrão americana, de classe média-alta, cujo membro mais “importante”, o pai vivido por Mel Gibson, entrou num caminho aparentemente irreversível rumo ao fundo do fundo do poço, destruindo assim suas relações com os demais entes, mulher e dois filhos. O mais velho aparentemente odeia o pai e faz de tudo para extinguir de si mesmo toda e qualquer semelhança que guarda com ele, das naturais heranças genéticas, aos tiques e costumes naturais de uma convivência diária. O mais novo é diretamente afetado pelos problemas na família, sofrendo bullying na escola e exibindo em seu semblante a mesma tristeza profunda que o pai exibe nas primeiras sequências. Aliás, primeiras sequências narradas por um narrador em terceira pessoa que entrega para o público em poucos minutos tudo que ele precisa saber sobre o filme: Walter está destruído e destruiu assim sua família, seja pelo motivo que for. Não se sabe se por preguiça de Foster em fazer uma construção ligeiramente mais detalhada e/ou sutil da condição do protagonista (afinal de contas, é extremamente importante compreender as questões que levaram a um fato antes de simplesmente aceitar um fato), ou se por opção, em subestimar o público e entregar, mais uma vez, um produto mastigado e superficial.

Pois em The Beaver tudo é exatamente isso, um passeio longo e constrangedor pela superfície de qualquer questão mais séria que possivelmente poderia ser abordada. Não que todos os filmes “sérios” tenham que ser filmes do Bergman, mas um pouco mais de interesse por seus personagens e pelas nuances que compõem seus estados emocionais não fazem mal a nínguém. Tomando como exemplo um filme recente, cuja trama remete bastante ao filme de Jodie Foster, dirigido em 2007 por Craig Gillespie, A Garota Ideal (Lars and the Real Girl), trazia Ryan Gosling no papel de um homem que vivia isolado do contato humano e havia buscado na figura de uma boneca utilizada para fins sexuais o escudo para enfrentar a vida. Assim como Gibson e seu castor falante, Gosling falava por Bianca, sua boneca, “ouvia” o que ela tinha a dizer e também fazia com que o mundo ao seu redor aceitasse sua presença. A diferença fundamental entre um e outro é que, em A Garota Ideal, tanto os problemas do personagem eram gradativamente explorados e compreendidos pelos demais personagens do filme e pelo público, quanto a compreensão do próprio personagem diante de sua condição era, digamos assim, menos óbvia. Gosling parecia realmente ter seguido para uma lógica própria e paralela (e a sociedade em que vivia aceitou tal lógica para que pudesse ter contato com ele, sem julgamentos absolutos). Em The Beaver, Gibson verbaliza suas questões através do castor, sempre deixando claro tudo que está passando, com ele e com o mundo ao redor, sendo que este não o aceita realmente, mas sempre está disposto a confrontrar o personagem quando o fardo fica pesado demais.

Seria mesmo preguiça, falta de competência, insensibilidade ou uma visão preconceituosa do público que vai ao cinema ver seu filme que fez Jodie Foster optar sempre pelo caminho mais fácil? Pode ser que não exista uma resposta única, ou talvez seja uma união de todas as questões, mas o fato é que seu filme figura entre outros vários casos semelhantes de obras que tentam se valer de suas intenções para cativar seu público e deixa de lado seus méritos para que isso seja possível. Na saída do cinema, um amigo me disse que o filme era bom, pois era coeso, tinha começo, meio e fim claros, Mel Gibson estava bem no papel (Mel Gibson está bem no papel) e era emocionante. Excluindo a parte da emoção, que é uma questão completamente subjetiva, disse para ele que não compreendia de que modo um filme pode ser tido como bom por se enquadrar em conceitos que deveriam ser obrigatórios em todos eles. É como ver um blockbuster que custou 250 milhões de dólares e dizer que seus efeitos são bons; não faz mais que a obrigação ter efeitos acachapantes. No caso do filme de Foster, algumas de suas “obrigações” ficaram perdidas na superfície com a qual ela tratou seu material, seus personagens, seu público.

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