Tanto os espíritas quanto os cinéfilos mereciam um filme melhor.
Falar sobre filmes como Nosso Lar (idem, 2010) é sempre um trabalho ingrato. Envolvendo religião e baseado em um best seller de Chico Xavier, não importa o jeito que se fale, sempre alguém sairá ofendido, misturando as coisas e esquecendo que textos como este são exclusivamente para criticar o filme, e não a obra em que fora baseada ou a religião que cada um escolheu para si. Mesmo correndo o risco de soar repetitivo, acho que nunca é demais esclarecer este ponto: neste texto, estaremos falando apenas do filme Nosso Lar, em cartaz nos cinemas nacionais, sempre respeitando veementemente a obra original, o grande médium Chico Xavier e todos os espíritas brasileiros e pelo mundo.
A história acompanha a jornada pós-vida de André Luiz (Renato Prieto), um médico recém falecido que demora a acreditar que sua morte é apenas uma parte de sua história, continuada por várias e várias reencarnações. Ambientado no final da década de 30 pré-guerra, conhecemos o que é o 'Nosso Lar', alguns ensinamentos espíritas e todo um sistema que rege algo maior do que vivemos aqui, ultrapassados e com os mesmos problemas de sempre. É um lugar avançado (já conta com laptop e trens magnetizados, pois de lá saem os inventores das tecnologias aqui), de difícil compreensão para aqueles que daqui saem, atrasados e infectados.
Independente da crença de cada um, Nosso Lar vai acabar tocando de alguma maneira quem for assisti-lo: se você acredita que aquilo tudo é verdade, que irá acontecer, ficará maravilhado com o que está em tela, afinal, as imagens são belíssimas e, acompanhadas de maneira sublime pela trilha sonora, reforçam o lado positivo do longa. Algumas elipses são elegantes, como a passagem de tempo em que André se encontra no bar, jovem e festivo, até que retornamos a ele, velho e solitário, vivendo das memórias de um lugar que já deixou de ser o que era há muitos anos. Já aqueles que tendem não acreditar nessas coisas, poderão assistir a Nosso Lar sob uma perspectiva de ficção científica, pois tudo remete ao gênero, desde tecnologia a frente do seu tempo a situações extraordinárias que homens comuns não estão acostumados a se depararem.
O que nos leva ao grande problema do filme: extremamente didático, seu texto e a direção de atores combinam de modo a fazer com que tudo soe falso, artificial, lembrando bastante aqueles e-mails moralistas com mensagens positivas que volta e meia infestam nossa caixa de entrada - o que nos leva a pensar que dificilmente haverá novos interessados em conhecer um pouco mais da religião a partir deste filme. Algumas vozes inseridas para ambientação soam irritantes, assim como algumas expressões e colocações por parte dos personagens. Apenas os grandes atores do cinema nacional, como Othon Bastos e Paulo Goulart, conseguem se safar desta armadilha de uma direção burocrática e previsível, lotada de lições de moral que perdem a força perante as escolhas da equipe técnica.
O homem é retratado como defeituoso, imperfeito, como quando André chega ao Nosso Lar e, faminto, rouba a sopa de seu companheiro ao lado, mostrando a ganância de modo óbvio. Um questionamento que acaba ficando é sobre a real necessidade do homem voltar a Terra, uma vez que parece que viemos para cá apenas para aprender os defeitos (e aproveito estes parênteses para deixar claro uma coisa: não estou dizendo que os ensinamentos espíritas são falhos e deixam essa brecha, apenas que o filme, mal adaptado, acaba fazendo com que os menos informados pensem desta maneira).
Contando com belos efeitos visuais em um orçamento rechonchudo (toda a parte do umbral é impressionante e, sem diálogos, Renato Prieto dá um show de interpretação), é uma pena que uma história tão importante tenha recebido um tratamento tão sem sal por parte dos responsáveis. Funcionando como uma garrafa de refrigerante que vai perdendo o gás ao longo do tempo, Nosso Lar começa muito bem, apresentando o mundo e o personagem, mas depois vai perdendo a força, quando frases prontas e previsíveis afetam a experiência. Perto do fim, quando o ciclo da saudade termina, já está em um nível quase insuportável de tédio e chatice.
A iniciativa é válida e, pelo tamanho da produção e a boa recepção do público, sua mensagem alcançará muita gente. Mas para quem exige um pouco mais do cinema como arte, como modo de ver e sentir, pode-se dizer que faltou certo capricho. O público, tanto cinéfilos quanto fiéis, mereciam um trabalho melhor, já que as qualidades e o constrangimento têm apenas uma tênue linha entre eles.
Que pudor - ou medo - que você tem de admitir que o filme é um lixo completo, hein?
Um belo texto Cunha, coerente e justo!