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Críticas

Cineplayers

Anarquia despretensiosa.

7,5

O que mais cativa no novo filme de Lukas Moodyson é a fina harmonia entre realidade e fantasia  sob os pontos de vista de três garotas de doze anos lá com seus problemas pessoais particulares – pais que brigam, pais que se divorciam, pais opressores, pouca popularidade na escola – que vão à forra com tudo que lhes revolta quando resolvem montar uma banda punk, após as idealizadoras Bobo e Klara verem Hedvig, de criação cristã, executar uma performance em um violão durante o concerto e ficarem obcecadas em tornar a conservadora garota numa rebelde.

A leveza incomum do filme na carreira do diretor tornou a ternura pelos seus personagens justificada: há um sentimento de descoberta em Nós somos os melhores! intimamente ligado ao punk rock; a indignação não se sabe com o quê, o sentimento de descoberta de um novo mundo, a adoção de uma estética visual e sonora agressivo ao olhar conservador, o espírito irresponsável; atributos que sempre tornaram o rock tão popular e muitas vezes falha em ser traduzido em algumas tentativas em outra mídia, muitas vezes perdida entre um excesso de zelo historiográfico ou uma tentativa de sofisticar o produto. Nós Somos os Melhores! é um filme punk em sua essência, onde o olhar de criança não precisa ser explicado de maneira pedagógica, didática; apenas se sente um problema, e se grita contra ele, e posteriormente vê o que se faz com ele.

Embutido com a temática musical, os ritos de passagem daquelas garotas que estão deixando de serem meninas para se tornarem adultas, e ainda estão em um meio de caminho confuso, cheio de dúvidas, onde a câmera está sempre íntima em seus closes, sempre perto, explorando as relações entre as três garotas de forma tragicômica. O primeiro porre, o primeiro amor, a primeira música tocada, as primeiras frustrações e decepções – são explorados silêncios estranhos, diálogos e discursos empolgados e absurdos e bagunça inconsequente tem um ar quase improvisado em sua estrutura pretensamente solta, onde as personagens vagam por uma Suécia ao mesmo tempo assustadora e atrativa, com sua neve urbana, onde tons negros e cinzentos encontram o branco, em uma tradução bastante perceptível do amadurecimento vindo dali; quando os primeiros conflitos adultos aparecem, as personagens saem do isolamento dos seus quartos e andam por ruas, prédios e metrôs enquanto são obrigadas a crescer apesar dos pesares e das frustrações; a mãe que sempre traz um namorado novo para casa, os pais que nunca param de brigar, o conservadorismo cultural... Ser adolescente sempre foi brigar com o mundo – e Nós Somos os Mehores! quer fazer isso com o queixo erguido, cara e coragem.

Ao contrário do peso temático e dramático de filmes anteriores do diretor, como Para Sempre Lilya (Lilya 4-Ever, 2002), pouco se resvala em terenos mais pesados, apesar de oportunidades não faltarem; por tudo ainda ser inocente, mesmo o que causa revolta não é encenado em tom contemplativo ou destrutivo, mas antes com curiosidade, timidez e inocência – inocência esta que jamais é perdida ao longo do filme: apesar de não poder resolver todos os problemas, e suas personagens logo perceberem isso já que a atitude punk não impressiona muita gente, o que faz com que elas tenham que encarar constantes provocações, aguentar castigos e repreensões  e comprar briga mais de uma vez. Por alguns momentos, assim como certos filmes levam o espectador com sua pathos, o punk rock parece a resposta de tudo. Há um sentimento de catarse no caos de um show de rock que poucas experiências podem igualar; um sentimento de perigo, de afrontação e sobretudo exorcismo pessoal. Uma falta de ordem para combater uma ordem decadente.

Nós Somos os Melhores! se dá melhor quando não tenta tanto narrar, levar uma história para frente, enquanto o que é encenado basicamente é uma transição e um ato de rebeldia; quando tenta amarrar demais a bagunça generalizada das meninas, não é tão interessante que as longas cenas onde elas discutem, se divertem ou tentam aprender a tocar. Certos personagens vem e vão, sem muita função dramática, com poucas sequências, desviando a atenção do foco principal. Essa previsibilidade narrativa, que quer contar de qualquer jeito uma história linear, pode soar incômoda por vezes, mas no geral, o espírito de diversão rebelde inerente na obra de Moodyson coloca o filme entre um dos mais cativantes do ano.

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