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Críticas

Cineplayers

Estilo grandioso e viciante marca este ótimo filme de Marcelo Masagão.

8,5

Primeiro longa-metragem de Marcelo Masagão, um dos fundadores do cultuado Festival do Minuto. Masagão já era figura conhecida no cinema experimental brasileiro, gênero de grande destaque em terras tupiniquins. Estilo já utilizado por Mário Peixoto em seu grande e poético filme Limite (1930), passando por vários outros grandes mestres como Júlio Bressane no seu conturbado O Anjo Nasceu (1969) e A Idade da Terra (1980), de Glauber Rocha. Nós que Aqui Estamos Por Vós Esperamos é um filme de certa forma documental, tal como Ilha das Flores de Jorge Furtado. Ambos se apropriaram de uma linguagem ficcional (o filme de Furtado se inicia com a frase “Esse não é um filme de ficção”) e com isso nos remete a películas de caráter real e informativo. Conquanto não é isso que vemos: os dois se utilizaram do modelo ficcional com personagens, atores e ambientação. Mesmo com tudo isso, o gênero documental sobressai aos demais e torna os filmes completamente originais e descomunais. Talvez o melhor estereótipo para Ilha das Flores e Nós que Aqui Estamos Por Vós Esperamos seja “documentários-experimentais-ficcionais.”

O filme retrata a morte no século XIX, construído todo com imagens de arquivo e sem nenhuma fala ou narração, apenas música, imagem e frases que vão aparecendo na tela. Não há nenhum tipo de narrador, apenas a reunião de figuras e palavras que se encaixam nos fatos históricos reais e ficcionais. As imagens são documentos históricos que relatam a vida de pessoas anônimas em seu cotidiano e a partir dessas, o diretor dá nova existência, profissões, nomes e atividades aos seres retratados. Filmagens amadoras, reportagens, fotos antigas, clássicos do cinema (George Méliès, Chaplin, Buñuel) são usados como fundo de pano para esta nova etapa que leva o espectador para o mais sangrento e conturbado século da humanidade.

Poucas vezes vi um documentário se aproximar tanto de uma poesia como neste filme. O espectador vai do riso ao choro em poucos instantes com toda uma sensibilidade e humanismo que só Marcelo Masagão sabe passar. Uma das características de quase todos os seus filmes é seu caráter apolítico, e neste primeiro longa-metragem o diretor, roteirista, pesquisador e editor retratou em seus 73 minutos de filmes grande parte dos acontecimentos históricos do século passado tais como o movimento feminista, o “crash” de 29, a Segunda Guerra Mundial, o populismo, entre vários outros importantes fatos históricos.

Institucional, surreal, apaixonante são adjetivos pequenos para o filme, cada pessoa tem uma opinião diferente sobre ele. O que acho mais curioso foi o modo como foi feito “Fiz este filme em minha favelinha. É o nome que dou para o meu dual Pentium 240 MHZ com 128 de RAM, 28 GB de disco (1998)” diz o diretor que fez o filme em sua própria casa comprando as imagens via Internet e montando numa ilha de edição digital (Avid) para depois ser kinescopado para película. O filme foi realizado com baixo custo (R$ 140 mil ao todo, sendo que R$ 80 mil foram destinados a pagamento de direitos autorais) o que se tornou uma espécie de manifesto de Masagão que, inspirado pelo movimento dinamarquês Dogma 95, passou a proclamar que o futuro do cinema brasileiro está nas produções de baixo orçamento que prima mais pela capacidade do realizador do que por recursos técnicos, o que no fundo nada mais é do que uma releitura do Cinema Novo e todos os movimentos em que ele foi inspirado.

O nome vem do letreiro de um cemitério localizado na cidade de Paraibuna, no interior do Estado de São Paulo, onde se lê, por extenso, "nós que aqui estamos por vós esperamos". Outra grande qualidade do filme é a trilha sonora. Só se ouve música, efeitos sonoros e silêncio. Os efeitos sonoros são de André Abujamra, e Win Mertens assina a trilha experimental e viciante. Na opinião deste que vos escreve, é o melhor filme do diretor, bem cativante, um retrato de respeito ao século passado, filmado em um estilo jamais visto antes, película reflexiva e poética.

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