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Críticas

Cineplayers

Consegue distrair seu público com uma dose razoável de inteligência. Para uma comédia, nada mau.

6,5

Se antigamente a comédia povoava as telas do cinema junto com os melodramas, policiais e filmes de aventura, hoje em dia, ela se concentra majoritariamente na televisão. O que não significa ter abandonado as salas de cinema. Apenas uma readequação de meios audiovisuais. Vivemos a época das chamadas sitcoms, abreviação em inglês de situation comedy, isto é, comédia de situação ou de costumes, gênero iniciado e desenvolvido pela indústria cinematográfica.

Se fôssemos contabilizar o número de sitcoms à disposição no menu das TVs – paga e aberta –, chegaríamos à cifra de algumas dezenas. E essa tradição de séries estáveis de comédia não é privilégio apenas dos EUA. Vejam vocês “A Grande Família”, há várias décadas um programa cativo no repertório do telespectador brasileiro. A ponto de angariar um grande afluxo de público na transposição da TV para o cinema (“A Grande Família - O Filme” corresponde à segunda maior bilheteria do cinema nacional neste ano, num total de 2 milhões de espectadores, abaixo apenas do fenômeno “Tropa de Elite”).

Portanto, é inegável o fascínio exercido pela comédia em vários meios e nichos de público. Por essa razão, o gênero manteve seu pé no cinema, seja no formato para adolescentes, algo mais escatológico, seja no sub-gênero comédia romântica, ou ainda sob o verniz indie-pop de diretores como Wes Anderson e Sofia Coppola (em se tratando, claro, de cinema norte-americano). Nas outras cinematografias, porém, a comédia também resiste, sem ter talvez a repercussão internacional de seus congêneres ianques. Coisa que ocorria com maior freqüência em tempos idos, quando atores e diretores, europeus e latinos, sobretudo, costumavam contribuir constantemente para o gênero com obras de personalidade própria (Jacques Tati, Totó, Fellini, Cantiflas, Mario Monicelli com o excelente “Quinteto Irreverente”, de 1975). Era um humor distinto do americano, e também diferenciado entre eles. Com o intercâmbio de influências, houve uma apropriação de todos os lados, com Hollywood fazendo humor ácido e irônico, e a Europa adotando a comédia romântica. Isso sem falar de parte do cinema asiático, como o do diretor Tsai Ming-Liang, identificado com o estilo minimalista e crítico da obra de Jacques Tati (vide “O Sabor da Melancia”).

À Francesa

Falar em comédia francesa, no cinema, pode dar a idéia de comédia séria. Ou de não-comédia, já que, para o grande público, filme francês é sinônimo de filme cabeça (cabeça, aqui, como eufemismo para chato). Mas acreditem, há vida engraçada e despretensiosa, leve até, no cinema francês. É o que nos demonstra “A Noiva Perfeita” (2006), de Eric Lartigau, baseado numa idéia de Alain Chabat, conhecido comediante da TV e do cinema francês.

O próprio Chabat é o protagonista dessa história. Seu nome, Luis Costa, um homem de 43 anos, bem-sucedido profissionalmente, mas ainda solteiro, e dependente da mãe e das cinco irmãs mulheres. Até o dia em que o exército de fêmeas à sua volta decide colocá-lo contra a parede – Luis tem que se casar. Daí, então, vem a idéia de arranjar uma noiva de aluguel, para simular uma tentativa frustrada de casamento e, assim, permanecer solteiro, sem que a família continue a aporrinhá-lo. A escolhida: Emmanuelle (Charlotte Gainsbourg), irmã de seu melhor amigo, figura independente e forte, o oposto do estereótipo das mulheres da vida de Luis. Obviamente, como em toda a comédia, o plano acaba por fugir ao controle.

Deixando um pouco de lado o que é essencial numa comédia, independentemente da nacionalidade, “A Noiva Perfeita” joga com elementos-chave do imaginário de tipos franceses, tradição vinda desde Molière. No caso, é o macho chauvinista, ao mesmo tempo privilegiado e mimado entre as mulheres, mas submetido à vontade delas, sem culhão para se impor. Esse tipo é confrontado com a mulher francesa dos tempos modernos – autônoma e liberada, de vida e estilo próprios.

A Essência da Comédia

Comédias têm timing e ritmo específicos. Por isso o roteiro é tão crucial nesse caso. Planos e diálogos devem estar sincronizados, para os resultados exatos de preparação e resolução das situações cômicas. Na comédia percebe-se com maior clareza o quão fundamental é o trabalho de roteirização; o espaço para improvisação caberá muito mais aos atores, dentro do pré-estabelecido no script, do que ao diretor (daí a gravidade da paralisação dos roteiristas norte-americanos, principalmente para a continuidade das sitcoms televisivas; suas reivindicações de créditos maiores, logo de mais grana, são absolutamente legítimas).

Regra número dois para a comédia: o trabalho de casting. A escolha do elenco adequado é essencial para a química dos diálogos e, portanto, para o tônus da narrativa. Principalmente se for uma comédia romântica; as idas e vindas, brigas e reconciliação do casal protagonista tem de funcionar com verossimilhança e complementaridade, sem deixar a peteca cair.

“A Noiva Perfeita” junta os dois requisitos. Tem roteiro bem concatenado e redondo, e um elenco azeitado em seus personagens: a mãe dominadora, as irmãs mocorongas, o chefe surtado, o melhor amigo pão-duro. E, sobretudo, os protagonistas funcionam como casal. Chabat é um expert na comédia, tem tino pra coisa. E Charlotte Gainsbourg contracena perfeitamente, na chave diametralmente oposta. Enquanto ele tende aos cacoetes e ao excesso, ela é minimalista e cool (inclusive por seu tipo físico, de “feia-bonita”, mulher fora dos padrões bem feitinhos, mas com muita atitude e elegância). O clown e a blasée. Deu liga...

E como bem falou uma moça sentada na fileira de trás para sua mãe, agora esquece do mundo lá fora e vamos relaxar a cuca. Aposto que “A Noiva Perfeita” teve sucesso nessa tarefa. O que não é nada trivial. Distrair o público com inteligência requer um trabalho imenso, o qual, necessariamente, tem de passar despercebido... Trabalho de Hércules...

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