Não é de hoje que a Netflix vem investindo em obras originais e animes, mas a surpresa foi ver que escolheram Ni No Kuni, lançado para Nintendo DS, PS3 e PS4, como material para um longa metragem. Surpresa mais por sua popularidade, já que os RPGs japoneses, ou simplesmente jRPGs, viveram o seu auge na geração de consoles de 32 e 128 bits, hoje com público em nichos, e o próprio Ni No Kuni nunca foi uma unanimidade entre os fãs do gênero, já que é meio lento e tem um quê de Pokémon, batalha entre bichinhos, que muita gente não curte. Ao mesmo tempo, é muito fácil entender a escolha, já que a tradução literal de Ni No Kuni é Outro Mundo; mundo esse paralelo ao nosso, lotado de monstros, seres bizarros, reinos, magias e tudo mais o que estamos acostumados nas obras dessa temática. Prato cheio para diversas novas histórias serem contadas.
A desse filme, chamado tudo junto de NiNoKuni, é sobre um grupo de três amigos - Yu, Haru e Kotona - que se veem forçados a visitar o mundo alternativo depois que a jovem do grupo recebe uma facada de um homem misterioso e só lá podem salvá-la. A curiosidade é que um deles é cadeirante, mas quando vai para o outro universo, não apenas anda como se torna um grande guerreiro. Já seu amigo, desesperado pela situação da amada, passa a ter pensamentos do lado negro da força (quase que literalmente isso). E ela, atacada no mundo real, é a grande princesa de NiNoKuni.
É nessa dinâmica entre os três, entre o mundo real e mundo paralelo, entre nossas rotinas sem graça e a possibilidade de ser um grande herói, mas, principalmente, na finitude da vida que NiNoKuni se desenvolve. Apesar do visual bonito e colorido, a temática que a série sempre tocou é forte, pois tragédia, dor e aprender a seguir em frente são temas constantes - e mantidos no filme. Tratar de temas adultos em um material geneticamente jovem é sempre surpreendente, e NinoKuni sempre explorou seus conceitos em cima dessa inevitabilidade da morte, às vezes diretamente, às vezes em linhas mais leves; essa ideia de uma pessoa estar diretamente ligada ao seu avatar no Outro Mundo é bem interessante e cria uma série de possibilidades.
Coube ao estreante diretor Yoshiyuki Momose transformar um jogo de 40, 50 horas em um filme de menos de 2 - é uma história nova ambientada naquele conhecido universo, sempre bom lembrar. Animador experiente do Studio Ghibli, que assina também a arte dos jogos e do longa, tem mais de 40 anos trabalhando em filmes do estúdio, tais como Túmulo dos Vagalumes, Porco Rosso e A Viagem de Chihiro, além de ambos os jogos de console. Sua inexperiência é clara ao acelerar emoções, não dando tempo pro público sentir real empatia pelo que os personagens estão passando: a mudança de Haru, por exemplo, foi meio brusca só para criar um ar meio Shakespeariano na relação entre os dois.
A falta de orçamento é clara principalmente quando há modelagem 3D em cena, quando os monstros estão correndo e tudo é meio marrom / cinza demais, sem sal e de movimentação estranha. As batalhas são resolvidas também depressa e o vilão não é segredo nenhum desde o primeiro segundo em que está em cena. A principal relação sentimental entre o trio também fica devendo, com diálogos um pouco bruscos e ingênuos, algo que é até raro de se ver em produções orientais, geralmente lindas no lado onde toca o coração.
Ao final de NiNoKuni, a sensação que fica é a de uma jornada que poderia ser bem mais épica do que foi. Há muita lenha para queimar naquele universo, mas vão precisar caprichar um pouquinho mais nos dramas e na construção dos personagens para que o povo embarque de vez. Ficou tudo muito superficial, apressado e ingênuo. Isso se houver outras novas histórias depois de um filme mediano, mas pontuado de bons momentos aqui ou ali. O easter egg de um personagem conhecido dá para animar, como todo bom fan service do momento, e o arranjo do tema tão conhecido também pode criar um certo arrepio. Mas não passa muito disso, há outros exemplares melhores no mercado.
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