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Críticas

Cineplayers

Produtores mutilam e quebram novo filme do diabinho dinamarquês, mas ainda assim ele diz a que veio... ao menos nesse início.

8,0

Talvez não exista tarefa mais difícil para um jornalista nesse início de ano do que escrever uma crítica do novo filme de Lars Von Trier. A essa altura, todo o mundo já sabe que o cara endoidou de vez e resolveu fazer algo que ele intitula como erótico, ou pornográfico para alguns. Lá pelas tantas, Lars deixou claro que seu filme teria mais de quatro horas de duração; mais precisamente, quase cinco. Pelo mundo, os produtores associados chiaram com a impossibilidade de colocar esse tanto de material em sessões regulares, e aproveitaram que já teriam de colocar um cabresto no filme para anunciarem que as condições eram duas: dividi-lo ao meio, para lançamento em duas partes; e retirar da produção todo o "excesso de pornografia" existente na obra. Ora pois, ninguém percebeu que com isso a proposta corria sério risco de descer pelo ralo?

Para espanto do planeta, Von Trier acatou ambas as decisões e entregou sua obra para avaliação alheia, que agora concede entrega para o público o primeiro volume do material (a distribuidora no Brasil, Califórnia Filmes, promete para março o segundo). Eis a dificuldade: como analisar uma obra obviamente incompleta? E como avaliar uma obra que deveria tratar de um tema tão explosivo, se o material passou por censura interna, podendo ter descaracterizado suas intenções? Com as mãos atadas, nos resta rezar para março não tardar, já que nossa visão/análise se permitirá muito mais acertada diante da obra completa, mesmo que mutilada (e "cenas do próximo capítulo" ao fim da sessão nos mostra o quão se intensifica o todo com o acréscimo do outro volume).

Do que ficou claro, temos a direção sofisticada do dinamarquês, em contraste absoluto com o universo abordado, ainda raso e tratando pelas bordas o poço sem fundo onde a protagonista Joe parece mergulhar, e de onde é resgatada aqui na primeira cena. Destruída moral e fisicamente, ela é levada para a casa de um homem que pretende cuidar de seus ferimentos e aceita ouvir seu relato. Acontece que Joe, desde cedo (muito cedo!), tem uma ligação não-saudável com o ato sexual, e com a adolescência isso vem à tona. Logo que se livra de sua virgindade, Joe embarca numa espiral sexual que vai esbarrar em inúmeras passagens (dividida por Von Trier em capítulos) repletas de situações degradantes e com o reencontro constante com um mesmo homem, que a segue da adolescência até o início da vida adulta, marcando o primeiro laço fixo de uma mulher repleta de dor e desespero. Mas pelo quê?

Como eu disse, tudo ainda está pela metade, como se estivéssemos observando apenas o início do quadro que se sabe bem maior. A protagonista Charlotte Gainsbourg, por exemplo, ainda é apenas narradora aqui, com suas cenas sendo desempenhadas pela jovem Stacy Martin, linda, intensa e muito talentosa. No elenco de astros, poucos destaques maiores que não a inspirada direção de Von Trier e do seu novo encontro com o impressionante Manuel Alberto Claro, que volta a fotografar de maneira magistral seu trabalho. A realçar apenas a cena/capítulo intitulado 'Mrs. H', praticamente protagonizado por uma incandescente Uma Thurman, no que talvez seja o melhor momento de sua carreira; se valendo de diálogos que parecem joias, Thurman se reinventa e se junta ao time de atrizes que simplesmente explodem nas mãos do diretor, num momento impressionante.

Sem condições de precisar o material incompleto, ficamos todos nós na expectativa do projeto para que possamos, enfim, montar todas as peças de mais um quebra-cabeça da mente mais controversa da cinematografia dinamarquesa, sabendo ao menos que todas as alfinetadas aos seus detratores e críticos foram feitos nos simbólicos diálogos entre Joe e seu salvador (vivido por Stellan Skarsgaard), sem nunca parecer didático ou deslocado da trama maior. Em março, poderemos constatar o tamanho do impacto da obra.

Comentários (24)

Caio Henrique | quarta-feira, 15 de Janeiro de 2014 - 11:40

Ah,o Trier...Tem que goste das obras do cara e tem quem as odeie.Mas é inegável que o cara consegue chamar a atenção com esses debates sobre as suas \"peculiaridades\". O último filme que eu vi deste indivíduo foi, no mínimo, curioso e ao mesmo tempo agoniante com as suas simbologias(algo que o cara sabe passar para a película muito bem) e fotografia belíssima. Se esse filme tiver os mesmos méritos que o Anticristo vale o ingresso do cinema. E sim,o cara é um diretor acima da média.

Caio Henrique | quinta-feira, 16 de Janeiro de 2014 - 09:41

Ah,só mais uma coisa.Se naquele capítulo da Uma Thurman o marido dela se chamasse Bill e ela entrasse com a katana desmembrando todo mundo seria perfeito...

Danilo Oliveira | sábado, 05 de Abril de 2014 - 13:39

Lendo aqui esse ótimo texto depois de Rever o volume 1 antes de ver o v2!
Francisco foi muito feliz em reparar o \"fundo do poço\" em q Joe estava na primeira parte!....escuro (inclusive a abertura do filme é uma tomada insistente de um fundo preto longo), aparentemente isolado (repare que é tão estanque aquela cena que parece que não existe outra coisa ao redor nada externo, algo marginal, esquecido), com goteiras caindo, fundo do poço mesmo, quase literal.... E um som pesado,metal heavy e talz kkkk. Quando visto nessa ótica parece fazer sentido em relação ao estado de espírito da protagonista.


Ps:seguindo aqui o comment do anão Lynchiano do black lodge hahhaha

Alexandre Marcello de Figueiredo | segunda-feira, 05 de Maio de 2014 - 16:43

Mesmo incompleto, o volume 1 já dá uma noção da obra; Lars von Trier realiza um filme pouco visto por aí, é diferente.

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