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Críticas

Cineplayers

Um pouco das histórias e lutas no sul do Brasil.

6,5

Dono de bem-sucedida e longa carreira de escritor, Tabajara Ruas, ao se aventurar no cinema, preferiu se concentrar no seu fascínio por figuras históricas um tanto radicais em seus idealismos, firmes em suas crenças políticas e convicções ideológicas. O que rendeu o belo documentário Brizola, Tempos de Luta (idem, 2008), sobre a trajetória do líder político Leonel Brizola, e antes disso, o longa Netto Perde Sua Alma (idem, 2001), em torno do general Antonio de Souza Netto, que sonhando com a República não aceitou o acordo de paz entre os farroupilhas e imperialistas, optando pelo exílio voluntário no Uruguai. Netto Perde Sua Alma acompanhava o personagem ferido em um hospital militar durante a Guerra do Paraguai, dividindo-se entre suas lembranças da revolução dos farrapos e demais passagens de sua vida.

Cerca de dez anos depois, Tabajara Ruas retorna ao personagem histórico (mais uma vez interpretado por Werner Schünemann) em Netto e o domador de cavalos (idem, 2008), para se concentrar em eventos anteriores aos do primeiro filme, misturando História e lenda no outono de 1835, às vésperas do começo da Guerra dos Farrapos. O filme divide a atenção pelo general Netto (na época coronel, arregimentando tropas para enfrentar as forças imperiais) com outros focos do interesse do diretor, numa narrativa passada nos antigos Campos Neutrais, onde animais, terras e pessoas habitavam um lugar perdido no mundo, na fronteira com a Banda Oriental (atual Uruguai). Netto para lá se dirige com o pretexto de estar à procura de um domador de cavalos, mas sua intenção é resgatar um antigo companheiro de armas, o Índio Torres (Tarcisio Filho), preso num forte ermo em que uma pequena guarnição pretende manter a ordem em tempos de idéias “perigosas” (como o definido por um dos personagens) pelo prenúncio de revolução.

Enquanto o prisioneiro é mantido sob tortura no cativeiro, forçado a revelar nomes dos quais está decidido a não entregar, Netto anda pela região com a ideia de formar um grupo de escravos rebelados para primeiro libertar o domador de cavalos, e depois aderir à revolução que está por vir. Toma contato com a gente do local e assiste as corridas de cavalos, nas quais está envolvido o barão de gado da região, que aposta com um de seus escravos, o Negrinho (o estreante Evandro Elias), ginete celebrado na fronteira.

Tabajara Ruas vai atando as pontas do seu filme e unindo as histórias de Neto e o Domador de Cavalos, com as belas tomadas que filmou nos campos do Albardão, na região do Taim, que serviram como locação. A história do Negrinho nada mais é que a transposição de um conto do imaginário gaúcho, a fábula do Negrinho do Pastoreio, mas Tabajara Ruas, com uma dramaturgia decorrente de uma linha dramática claramente ficcional tecida a partir das veracidades do registro histórico, não se limita a contar folclore e lenda, evitando um olhar folclórico e exotizante deslumbrado com a exibição da cultura do sul. O próprio general Netto sempre foi cercado por uma lenda na qual estaria envolvido com os mistérios do Cerro do Jarau, entretanto um dos personagens centrais do filme desmente esse mito, ao mesmo tempo em que  a história do Negrinho é utilizada como alegoria da situação dos escravos antes da abolição.

Veterano das guerras na Cisplatina (o conflito pela posse do Uruguai) e querendo uma república, o general Netto é um eterno inconformado com a situação política do Brasil, na época o único país da América do Sul sob o jugo de um Império e ainda mantendo os negros como escravos. Netto e o Domador de Cavalos também desconstrói um dos mitos históricos que perdurou durante muito tempo, o de que no Rio Grande do Sul a escravidão teria sido mais branda do que nos outros estados do país.

A exasperação desse mundo diegético retratado pelo filme de Tabajara Ruas culmina no clímax em que o espectador se vê diante do ataque dos rebeldes à casa do estancieiro, enquanto que o filme todo era só o começo de uma triste epopéia que levaria à morte gente de ambos os lados de um conflito que estava apenas começando. Em meio a um povo assombrado pela perspectiva do estouro de uma guerra nova, algumas das seqüências, tanto de tiroteios ou duelos com armas brancas quanto as de contemplação em planícies enormes e campos abertos, remetem à vaga idéia de um western rio-grandense. O escritor e cineasta ainda pretende rodar mais um filme com o personagem central, Netto e a Princesa Moura, o que seria a conclusão de uma trilogia sobre o general Netto.

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