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Críticas

Cineplayers

Sean Penn conta a interessante história de uma busca (ou de uma fuga) alternando opiniões políticas com uma fotografia "paisagística".

7,0

Depois de ganhar o prêmio de melhor filme no Gotham Awards – festival de cinema cujo foco são filmes independentes – Na Natureza Selvagem passou pela premiação do Oscar quase sem ser notado, indicado apenas por Ator Coadjuvante e Melhor Edição, sem ganhar nenhum dos prêmios. Admitindo, de maneira não tão explícita, que o filme traz em si muito de política, Penn disse em entrevista coletiva que a cada dia existem mais filmes políticos, o que não significa dizer que todos consigam exprimir alguma mensagem. Seu filme, no entanto, consegue claramente dizer a que veio: recheado de citações literárias ásperas e de caráter contestador aborda várias possibilidades de vida fora do sistema, assim como seus motivos e problemas.

Primeiro é preciso explicar de onde veio essa história. De um artigo escrito em 1993 por Jon Krakauer e publicado na revista Outsider, sendo lançado como livro alguns anos depois. Contando a história da viagem de Chris McCandless, que abandou a estabilidade da vida em uma família abastada, deixando com os pais seu diploma de universitário e as melhores notas da turma, enquanto doa as economias de sua vida à caridade em troca de descobrir-se a si mesmo e ao seu país, sem máscaras e sem dinheiro algum. Seu objetivo final seria sobreviver algum tempo no Alasca, lugar que ele supunha como o mais selvagem de todos, onde a natureza se sobressai a quase todas as tentativas humanas. Aliás, seu objetivo real era testar as possibilidades de sobrevivência fora da estrutura e burocracia criadas pelas sociedades atuais. Buscar, no retorno a um estado quase natural, a essência da humanidade já perdida há tanto tempo.

Levando consigo apenas uma mochila com pertences úteis que ele foi adquirindo em sua jornada de dois anos, Chris adota o codinome Alexander Supertramp que ele vai deixando entalhado, escrito, rabiscado em vários dos lugares por onde passou. Em sua mochila também há espaço para seus autores prediletos, como Thoreau e a desobediência civil e Pasternack  com seu Doutor Jivago. São os companheiros mais constantes em sua viagem de muitos companheiros e nenhuma constância.

Desbravando e pedindo carona, Alex encontra um casal nômade e hippie e logo de cara estabelece uma bonita relação com Jan (Catherine Keener), algo entre a ternura e a cumplicidade que ele nunca veria instalada entre ele e sua mãe (Marcia Gay Harden), e muito menos com seu pai (William Hurt). Seguindo sua rota sozinho, ele aceita trabalhar na propriedade de Wayne Westerberg (Vince Vaugh), pegando no pesado e ouvindo algumas novas opiniões a respeito de sua total falta de esperança com as relações humanas. E isso é um ponto interessante, pois apesar do tom crítico do enredo Alex não é posto no patamar de dono da verdade. Suas opiniões exaltadas e desesperançosas são contestadas por todos que encontra pelo caminho. E apesar disso, ele também consegue ajudar os outros a enxergarem melhor algumas questões.

Um pouco antes dele alcançar o Alasca, conheceu então Ron Franz (Hal Holbrook, indicado ao Oscar pelo papel) com quem dividiu bons momentos,  ensinou e aprendeu algumas boas lições. Mas Alexander Supertramp tinha uma determinação invejável, e o Alasca era tudo que ele queria.

Aqui é bom que se diga - para aqueles que ainda não sabem - que McCandless existiu e não é somente um personagem de ficção. Sua história tornou-se conhecida através do artigo publicado por Krakauer, que por sua vez precisou também de muito esforço para reconstituir os passos de Alex: depois que saiu de casa ele não entrou em contato com a família. Foram dois anos sem contato, sem cartas e nem telefonemas. Tanto que o filme é entrecortado por passagens escritas por ele num caderno que levava consigo, e também por depoimentos de sua irmã (no filme, interpretada por Jena Malone) sobre o que sentiu na época do desaparecimento dele.

Passada na década de 1990 a ação ganhou trilha sonora especial de ídolo da época: convidado por Penn, Eddie Vedder topou sem mesmo saber sobre o que se tratava o filme. De alguma forma, a escolha parece ter sido acertada já que Vedder é conhecido por apoiar causas políticas, principalmente se essas causas vão de encontro a algum interesse maior do status quo e do capital.

Emile Hirsch parece ter ganhado um papel mais de acordo com o talento que, desconfiávamos, podia sair dele. O cara tem aquele rosto de bem nascido, é bem articulado e podia mesmo ser o próprio McCandless. A sua transformação durante o tempo, a barba e o corpo, além do fato dele não ter usado dublês mesmo em cenas mais arriscadas demonstram que ele tem a vontade necessária para ir além.

Importante para o filme também é a fotografia que em muitos momentos coloca o personagem em proporções naturais em meio a natureza, ressaltando o que há de ególatra naqueles que julgam ser possível submeter as questões naturais aos nossos desígnios. O que surge é uma fotografia convencional, e bela, entrecortada por tentativas e enquadramentos mais ousados, talvez para que tudo não fique fotograficamente tão óbvio.

Enfim, um filme que vale por sua história e por sua mensagem mais do que por qualquer virtuosismo fílmico.

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