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Críticas

Cineplayers

Terror disfarçado de thriller político.

6,5
Já tendo passagem pelo terreno do suspense político com A Identidade Bourne (2002), que iniciou a franquia adaptada dos livros de Robert Ludlum e que seria assumida por Paul Greengrass, Doug Liman faz um filme que pode até ser vendido pelo marketing das distribuidoras associando-o ao gênero do suspense de guerra, com bandeiras americanas, títulos em negrito e a lembrança de investidas anteriores do diretor (Bourne, O Limite do Amanhã) ilustrando o pôster. O que pode causar uma impressão errada. 

Isso porque, da forma como o roteiro foi desenvolvido, Na Mira do Atirador atua quase como um filme de terror, com a eficiência dramática digna de um episódio de clássicas séries fantásticas como Além da Imaginação e A Quinta Dimensão. Todo a cartilha de filmes da guerra do Iraque está lá - as subjetivas de mira telescópica, os grandes planos gerais do deserto árabe, os personagens geralmente patéticos e viciados em guerra. Mas ao pegar para si a temática de cerco e confinamento ao filmar a história do Sargento Isaac, que ao investigar mortes em uma empreiteira perde um companheiro e se vê à mercê de um atirador sniper, com apenas um muro aos pedaços o salvando por enquanto da morte certa enquanto sangra lentamente por um balaço na perna, Liman sabe como fazer seu filme crescer e alcançar momentos de gelar a espinha.

Na Mira do Atirador é frequentemente sufocante. Não há flashbacks, não há outras locações e quase não há interação com personagens além dos principais. A maior comunicação que o protagonista tem é com o atirador inimigo, com quem se comunica por walkie-talkie. Movido pela raiva contra os americanos, Juba usa de seu treinamento e também de tortura psicológica para intimidar o soldado. 

Visto do lado de cá do muro, acompanhamos cada pequeno drama como uma vitória - alcançar suprimentos, conseguir armas, descobrir a localização da ameaça invisível, aproveitar as tempestades de areia para locomover-se… Tudo para sobreviver mais alguns minutos, pois se não vier o tiro certeiro a inanição, o forte sol e os ferimentos não tratados também servem como ameaças menores. 

É verdade que o filme deixa-se seduzir em vários momentos por certos vícios de roteiro; o mais frequente sendo que na situação em que Isaac se encontra, o mesmo não para de falar, e não apenas com o antagonista. Ele fala consigo mesmo o tempo todo, enunciando suas conclusões de maneira didática, quase nunca intuitiva. Se fosse menos verborrágico e tivéssemos um trabalho mais focado em suas reações, talvez nossa projeção no protagonista, sentirmo-nos empáticos a ponto de nos vermos nessa situação, seria muito mais eficaz. 

Tendo um trabalho apenas de voz, Laith Nakli no papel do misterioso atirador soa ameaçador em vários momentos. Mas o roteiro peca pelo exagero. Ao querer retratar o inimigo como um homem inteligente, a obra lança mão de tudo: ele provoca com joguinhos psicológicos, recita poesias americanas e, mais frequentemente que tudo, discursa para o americano seus questionamentos: se Isaac invade o país alheio com um rifle, não seria ele um terrorista? Se a guerra já acabou, o que ele está fazendo aqui de novo? Tais momentos apenas estendem o filme de forma desnecessária e tornam o ameaçador protagonista não apenas alguém vingativo mas também um falastrão com o frequente costume de gabar suas capacidades acima da dos soldados americanos.

É clara que esses momentos corroboram a intenção de elaborar uma clara crítica ao seu protagonista acossado por um inimigo que tem motivos de sobra para odiá-lo. O atirador iraquiano quer conhecer Isaac; reticente de início, o mesmo acaba ficando mais e mais sincero sobre sua vida, seja enquanto pensa como sair dali ou quando está em momentos de puro desespero. Aprendemos sobre sua vida, seu insistente retorno ao Iraque, sua preguiça intelectual e seus preconceitos, além de sua paixão arrogante pelo seu país que o faz ver pessoas de outra nacionalidade de forma inferior. Ponto de vista ao qual deveríamos nos relatar, o protagonista acaba tendo uma origem e uma caracterização muito mais detestável do que aquele de quem deveríamos sentir medo e desgosto - o atirador revela com o tempo ter estudado nos EUA e ter trabalhado como professor na Iraque até o momento em que a escola onde lecionava foi destruída pela guerra. 

Felizmente esses momentos - funcionais até certo ponto na hora de mostrar certas contradições dramaturgicamente interessantes mas também muitas vezes redundantes no exagero de suas pretensões - não comprometem muito o miolo dramático central, onde a ameaça principal e as secundárias nunca se desvanecem, sempre são mantidas como o ponto focal de interesse e que dentro da metragem curta (81 minutos) faz poucas concessões: após uma introdução onde os soldados de tocaia fazem piadinhas politicamente incorretas e sussurram inseguros sobre o medo de um tal atirador de elite iraquiano chamado pelo exército americano de “Juba”, assim que o primeiro tiro é disparado o diretor só irá nos liberar lá pelo final.

O final, como o espectador poderá testemunhar, é bem elaborado, mas também estica o filme além do ponto, exigindo certa suspensão de descrença por parte de quem assiste. Junto com outros pontos mencionados, Na Mira do Atirador poderia até ser mais enxuto, caso se preocupasse mais com o suspense e menos com o discurso antibelicista inserido de forma didática. A vilania caricatural do atirador e a verborrágica busca pela sobrevivência do soldado sabotam quaisquer tentativas de realismo esboçadas pelo filme pelas lentes subjetivas e efeitos gráficos de ferimentos, mas também não privam o filme de méritos. 

A mira do telescópio procurando alguém que não pode ser visto, o silêncio dos comunicadores, os tiros rasando mais perto do que gostaríamos, a pura sensação de impotência, de que não dá para escapar dali; Liman sabe muitas vezes como fazer para nos arrepiar em um clássico conto de “predador e presa” onde (quase) nada mais importa. Com outros elementos dramáticos aparecendo quase como intrusos, o filme caminha na corda bamba querendo atirar para mais de um lado e frequentemente se desequilibrar, mas sua sensação de propósito - fazer o espectador roer as unhas e rilhar os dentes - desponta mais que qualquer outra coisa. 

Em síntese, está menos para quem gosta de A Identidade Bourne e Jogos Patrióticos e mais para admiradores de Mar Aberto e Águas Rasas. Pode até nem ter sido intencional, mas o que era pra ser um suspense de guerra fracassou como um interessante “terror contrabandeado”. 

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