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Críticas

Cineplayers

As surpresas da vida ordinária.

7,5
Museu (Museo, 2018) é um filme que parte de uma premissa tão absurda, que chega a ser surpreendente saber que se inspira em fatos reais, e não nas tradições do subgênero de filmes de assalto cometidos por pessoas comuns. Nos anos 1980, dois veterinários conseguiram a façanha de roubar mais de cem peças raras e driblar toda a segurança em um museu mexicano, para depois vagarem pelo país sem saber exatamente para quem vender os artefatos. O diretor Alonso Ruizpalacios encontra esse caso real para montar um panorama ora cômico, ora tenso, ora singelo sobre os valores morais de uma geração e uma discussão interessante sobre o valor atribuído a peças de arte que na maior parte do tempo passam esquecidas por todos e que, em retrospecto, só foram parar em algum museu porque também foram roubadas de alguma outra civilização em épocas anteriores. 
A beleza de Museu é nunca se levar muito a sério e sempre transitar numa linha bem difícil de comicidade sutil e implícita, nunca demasiado expositiva. O tom farsesco de filme de gênero, com direito a várias reproduções de cacoetes e vícios comuns no cinema hollywoodianos, mas sempre readaptado ao panorama do cinema latino, é uma forma inteligente de satirizar toda a iniciativa e brincar com a principal questão na vida de um sujeito ordinário que, contra todas as probabilidades, consegue um feito extraordinário: e agora, o que fazer? 

Parte do bom saldo final se deve à construção dos personagens principais, em especial Juan, vivido por Gael García Bernal, ator de grande talento, mas que raras vezes encontra um filme à altura de suas performances. Seu papel aqui é o de um homem incrivelmente ingênuo, que planeja tudo no maior amadorismo e que sequer tem noção da loucura que está cometendo, o que torna muito mais fácil para o roteiro caminhar para uma virada em sua segunda metade, quando tudo se converte em uma espécie de road movie de dois parceiros errantes procurando um comprador. O subtexto que trata das origens de Juan, seus vínculos familiares, suas bases, dá credibilidade mesmo dentro de um enredo de tão difícil verossimilhança. 

O pano de fundo de Museu é um pouco mais ambicioso que sua estrutura narrativa e promove reflexões sobre o lugar da arte no mundo contemporâneo, sempre dito muito consciente do valor dela, mas poucas vezes de fato interessado em apreciá-la. Se tantas obras hoje ainda permanecem dentro de uma esfera de relevância histórica preservada pelos museus, muito disso se dá pelo trabalho de ladrões e comerciantes ambiciosos que ao longo dos séculos as roubaram, traficaram e venderam clandestinamente. Logo não fica muito difícil embarcar nas motivações da dupla central e torcer por ela – algo de extrema importância em um filme que coloca dois ladrões nos papéis principais. 

Lá pelas tantas o filme adota um ar muito conservador e se presta a aplicar lições morais, o que não casa com o tom descompromissado e satírico construído até então. Mas sobra a boa mensagem sobre a cultura mexicana, um país de artes tão ricas, mas muitas vezes desprezadas até mesmo pela própria população. Somente diante de um escândalo de roubo elas voltam a entrar em evidência e, talvez, nesse momento de desespero nacional, venham a receber mais o devido valor e notoriedade do que nos anos que passaram estáticas atrás de um recipiente de vidro em algum museu esquecido. 

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