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Críticas

Cineplayers

Longe demais das capitais.

8,0
Em meios às bucólicas paisagens gaúchas interioranas, em um lugar em que as horas parecem mais duradouras, uma adolescente desperta a novos interesses e curiosidades, descobrindo paixões e diversões enquanto vê crescer a vontade em ultrapassar as fronteiras da pequena cidade onde vive, a fim de ver os lugares que por ali sempre ouviu falar. É a libertação das amarras ambicionada, representada por uma menina, a jovem Nalu, a poucos passos de um mundo de possibilidades prometido, mas de difícil alcance a alguém tão jovem. Há responsabilidades que lhe impedem de vencer as fronteiras. 

Coprodução entre Brasil e Uruguai, esse Mulher do Pai é contado com dedicada ternura pela diretora Cristiane Oliveira, experiente como assistente de direção e produtora em Nove Crônicas para um Coração aos Berros (Idem, 2012) e Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa (Idem, 2013). Cristiane releva a imagem de planícies em volta de uma pequena cidade esquecida no interior do Rio Grande do Sul, bem próxima do Uruguai. Nela coloca personagens envelhecidos que se conhecem por nome; e jovens idealizando ir embora para os grandes centros. As novidades locais são as pessoas que passam trazendo histórias.

O filme é nutrido por sensações, sendo a de solidão onipresente. A cidade é solitária; as pessoas que vivem nela são solitárias. Há ausências sentidas e o roteiro explana a falta com sensatez em diálogos expositivos e na disposição dos atores na fotografia, ora separando-os com portas e paredes; ora unindo-os num pequeno espaço, como uma cozinha ou numa casinha onde funciona uma tecelagem. Os símbolos visuais são perceptíveis e contribuem com o desenvolvimento da história. Os trilhos que somem na paisagem são observados sintetizando o desejo pela retirada daquele lugar, no entanto são encarados como quadros de uma paisagem qualquer, passível unicamente de admiração. 

Nalu vive com o pai, Ruben, um tecelão que perdeu a visão. A relação entre ambos cresce após um luto e encontra conflitos quando percebem-se distanciados devido a presença de outras pessoas que aos poucos ocupam os espaços vazios da deteriorada casa onde residem. Ciúmes e discórdias sucedem dias de inconformidades, naturalizando a relação sem questionar certo e errado, mas buscando revelar em cena os conflitos particulares da dupla estremecida: o pai que perde a mãe que tanto lhe ajudava e a filha que ganha a atribuição de cuidar do pai, temendo que esse encargo signifique a renúncia de seus sonhos de não mais estar ali. 

É ótimo ver a dinâmica entre a dupla de atores Maria Galant e Marat Descartes. Esse último, um nome muito importante do cinema brasileiro contemporâneo, transmite toda a dureza de ter de se redescobrir adulto e aprender a dar conta da vida após perder a visão e mais tarde a mãe, seus olhos até então. Num mesmo processo de descoberta está Nalu, representada por Galant que convence com ingenuidade adolescente, sempre condizente ao drama íntimo de seus questionamentos e desejos revelados entre finas paredes. São dois ótimos personagens que impulsionam ainda mais o filme e, tal como na tecelagem, ajustam-se, fio por fio, tempo por tempo, experiência por experiência. 

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