Uma análise detalhada deste pequeno filme autoral do futuro gênio de Kubrick.
A Morte Passou Por Perto é um esboço de muitos dos elementos característicos e que marcariam os filmes seguintes de Kubrick, sob forma de um pequeno - em todos os sentidos - filme-B. Narração em off, uso do flash-back, experimentações de enquadramento e montagem de planos, travellings laterais, fotografia carregada e rebuscada, iluminação dura e com luzes estourando na tela e composições visuais detalhadas são lembradas constantemente como algumas das principais marcas visuais do diretor, e vez por outra surgem para fazer deste seu primeiro trabalho um ensaio particular e charmoso.
Mesmo fazendo parte da filmografia de um dos mais autorais realizadores da segunda metade do século passado, tudo não passa de um filme típico da época, marcada dentre outras coisas pelo auge de um dos mais deliciosos movimentos cinematográficos da velha Hollywood, o noir - o filme inclusive se assemelha em certos aspectos às produções de Joseph Lewis, sem querer compará-las porque Lewis estava anos luz à frente e fazia obras-primas - utilizando muito bem os elementos básicos do estilo: fotografia escura, ambientes decadentes, retrato do submundo noturno e a femme fatalle, mulher cuja principal função vital é causar problemas ao protagonista. Kubrick balanceia tudo isso e entrega um produto bem eficiente dentro de suas limitações.
Limitações que são perceptíveis no decorrer do filme, já que a produção é das mais baratas, independente e feita ao custo de U$ 40 mil, o que faz com que seja recheada de problemas técnicos. Os efeitos sonoros e diálogos, por exemplo, tiveram de ser gravados em estúdio depois das filmagens já que Kubrick não tinha dinheiro suficiente para captá-los ao mesmo tempo que as imagens. É por isso que constantemente há falta de sincronia entre o que se vê e o que se ouve, sem contar a pouca profundidade no som - e embora coisas inadmissíveis à carreira de um perfeccionista como Stanley, acabam superando a defeituosidade e se estabelecendo como uma curiosidade a mais para a produção.
Mas Kubrick ainda encontra algumas formas de driblar as adversidades. Ainda muito jovem, o diretor (apenas 26 anos na época), que também assinava roteiro, produção, direção de fotografia e edição de som e imagem, faz de alguns momentos os responsáveis por evitar um distanciamento tão sensível deste filme em relação aos outros filmes menores - ou menos bons - de sua filmografia, acrescentando através da câmera bem pensada um charme à banalidade da estrutura narrativa e da trama.
Três seqüência são fundamentais para ver A Morte Passou Por Perto como um pequeno exercício de aprimoramento: a primeira é a já famosa cena da luta de boxe, que impressiona pela agilidade e versatilidade no posicionamento da câmera ao longo da luta, deixando inicualmente as lentes receosas a entrarem no rigue e acompanhando toda a movimentação por detrás das cordas, a imagem trêmula e direcionando o olhar especialmente à região peitoral, onde eram disparados os socos mais fortes. Com o aumento da intensidade da luta a câmera passa a interagir com a briga, encontrando espaço em meio aos atletas e inclusive, em certo momento, tomando o lugar de um deles, subjetivando as imagens numa cena de nocaute.
A segunda não é tão explícita nem complexa, e deve normalmente passar despercebida, mas representa muito bem a classe de Kubrick no do preenchimento do espaço de tela disponível: a seqüência em que o boxeador fala com o tio ao telefone. É incrível o número de informações passadas em dimensões e tempo tão pequenos. Em primeiro plano vemos Davey com o telefone, de costas a um espelho, e ao fundo, através do reflexo, pode-se ver a movimentação no apartamento da dançarina, fazendo da imagem um painel de três camadas - a primeira composta pelo boxeador e todos os objetos existentes ao seu redor, a segunda pelos reflexos do boxeador e dos objetos e por fim a terceira, da qual fazem parte a garota e o seu apartamento. Tudo isso em uma tela letterbox.
Já a terceira seqüência, na realidade, é o terceiro ato por completo, tenso e muito bem coreografado ao estilo inconfundível dos filmes policiais da época, mas com um tremendo diferencial: outra vez Kubrick merece grande destaque por suas escolhas no que diz respeito à construção da ação, conferindo um realismo irrepreensível à perseguição que envolve o cafetão e o boxeador - em especial nos momentos sobre o telhado do edifício, quando utiliza apenas os sons dos passos como trilha sonora e, assim, deixa um longo silêncio pontuar o ritmo da cena.
Também é no terceiro ato que se localiza a cena mais popular de A Morte Passou Por Perto, a briga entre os dois em uma sala recheada de manequins. A ação é fotografada com precisão - a câmera de mão pode ser um recurso batido, mas normalmente funciona quando bem empregado - e encerra de maneira excitante um filme que, embora irregular, é fundamental por abrir as portas do cinema ao que viria a ser um dos nomes mais populares de sua história recente.
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