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Críticas

Cineplayers

Lee Daniels e o desespero por prêmios.

2,0

Todo ano somos "brindados" com alguns filmes que surpreendem de forma negativa pelo fato de podermos ver entre os frames uma série de engrenagens, um pedido claro de "Por favor, me dê um Oscar". Na premiação do ano que vem, existem grandes possibilidades de O Mordomo da Casa Branca (The Butler, 2013) ser esse filme, arrebatando inúmeras indicações e até possivelmente alguns prêmios desmerecidos.

Baseado na história real de Eugene Allen, O Mordomo da Casa Branca acompanha a vida de Cecil Ganes (Forest Whitaker), negro que nasceu no sul dos Estados Unidos e que com grande violência aprende a abaixar a cabeça ao branco opressor e lhe servir sem questionar. Utilizando-se de esforço, sorte e um talento enorme para a subserviência/sobrevivência, Ganes chega ao cobiçado cargo de mordomo da casa branca, mesmo que isso lhe custe a paz familiar. Enquanto seu filho mergulha de cabeça nos movimentos que lutaram a favor dos direitos dos negros, nosso herói protagonista passa boa parte da longa história tentando ensiná-lo a fazer exatamente o contrário.

Parte dessa postura é justificável. Pais se preocupam, não gostam de ver os filhos apanharem, serem presos, humilhados. É natural da paternidade não querer ver os filhos sofrerem, principalmente quando estamos falando de personagens tão desprovidos de complexidades, de nuances. Mas o fato fica mais grave ao constatarmos que a mesma preocupação e rejeição não são aplicadas ao filho que decide lutar no Vietnã. Gaines, disfarçado de herói, é na realidade um personagem detestável. O roteiro medíocre de Danny Strong (de Game Change, da HBO) parece saber disso, e busca redimi-lo exatamente em uma fala de Martin Luther King sobre a coragem dos negros que servem todos os dias. Afinal, quem em sã consciência vai questionar MLK, certo? O único problema é que o filme não tem nuances. O problema com Gaines não é ele continuar servindo, manter seu emprego. É sua animosidade, sua falta de questionamento, mesmo que dentro de casa. Sua apatia em relação a questão política do país em que mora, mesmo trabalhando para a pessoa que o governa. E quando isso muda, é porque o roteiro precisa, é sem gradação. Certo dia Cecil acorda e decide que sua postura estava errada desde então.

E temos Oprah... Afinal, não tem como falar de O Mordomo sem falar dela, figura onipresente em toda a divulgação do filme, razão por trás de todo o burburinho, com histórias sobre como sofreu e ainda sofre racismo, e que segundo "especialistas" já está com a mão em seu primeiro Oscar. Uma pena que não tenha levado anos atrás por A Cor Púrpura (The Color Purple, 1985), pois já que levará o prêmio simplesmente pela sua persona, que fosse por uma boa interpretação, em um filme bom. Sua personagem nunca decola. Aparentemente ela tinha alguma história mais interessante, mas como não lutava pelos direitos dos negros, nem trabalhava na casa branca, só recebemos pequenos lampejos de seu alcoolismo, ou de qualquer desvio, quando seu destino é cruzado com o dos homens. Caso clássico de personagem feminino que vive as margens dos masculinos. Suas cenas “Oscar”, aquelas que parecem produzidas para passar na premiação quando chamarem seu nome, são das mais irritantes e manipuladoras.

O elenco ainda conta com inúmeras participações especiais. Afinal, Gaines esteve na Casa Branca por um bom tempo, chance de escalar diversos atores como presidentes, de Robin Williams a Alan Rickman, de Mariah Carey a Jane Fonda. Alguns funcionam maravilhosamente bem, outros nem tanto. Provavelmente inebriados pela possibilidade de fazer um filme que fizesse justiça a história dos negros, e ela realmente está lá, não perceberam o quanto o texto era brega e o quanto o personagem principal, quando analisado de perto, é um exemplo de ação anti-afirmativa.

Uma pena que um capítulo tão importante e interessante da história dos americanos tenha sido contado de forma tão ruim, tão manipuladora, tão forçada. Lee Daniels pesa a mão, tenta forçar a emoção, sem reparar que nada é mais desestimulante do que perceber que por trás da trilha eloquente, dos planos grandiosos, da pretensão, só há um grande desejo de ganhar muito dinheiro e um Oscar.

Comentários (11)

Raphael da Silveira Leite Miguel | quinta-feira, 24 de Outubro de 2013 - 18:53

Pois é, The Help é bom pelo menos. Não ficou muito boa a comparação mas acho que você entendeu...

Eduardo Pepe | quarta-feira, 04 de Dezembro de 2013 - 15:24

The help é manipulador, ingênuo, manequeísta e se salva pelo elenco de nível, o mesmo vale mais ou menos para the butler, que tem algumas boas atuações.

Paula Lucatelli | sábado, 11 de Janeiro de 2014 - 01:35

Esse é o filme mais \"quero Oscar\" dos últimos anos! Decidi fazer uma maratona para rever ou assistir pela primeira vez os filmes indicados ao Globo de Ouro. Pois bem, esse não deu não (nem com muta paciência café preto e uma bela brisa em Salvador).!! Cara, nos primeiros 5 minutos de \"filme\" se vê uma citação de Martin Luther e Mariah Carey = NÃO DÁ!!! É, pelo visto não vou ver todos os indicados não!!

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