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Críticas

Cineplayers

O reino do nascer da lua.

8,5

Quando os pequenos Suzy (Kara Hayward) e Sam (Jared Gilman), durante sua fuga na floresta, sentam em cima de uma rocha alta para olhar a paisagem que os rodeia, a garota lhe confessa que não desgruda de seus binóculos por conta dos poderes mágicos que consegue extrair deles. Por meio deles que ela consegue ver tudo de perto, uma forma de também se aproximar das situações de um mundo do qual sente que não faz parte. Tanto Suzy quanto Sam são outsiders, crianças que não se encaixam na sintonia fabulosa que parece reger o universo criado por Wes Anderson em seu mais novo trabalho, Moonrise Kingdom (idem, 2012). Mais uma vez, o cineasta aposta na construção milimetricamente planejada de um mundo particular, para inserir no meio de tudo personagens deslocados que em momento algum – assim como o espectador – conseguem o entender plenamente.

Moonrise Kingdom é um filme de detalhes, onde se encontram suas maiores riquezas. Seus cenários fechados, em especial, como a cada da família Bishop, é de uma quantidade de pequenos e belos detalhes inimaginável. Toda a ação do filme se passa na ilha fictícia de New Penzance (sim, trata-se de uma referência à ópera de Arthur Sullivan e W. S. Gilbert). Os habitantes do local poderiam ser classificados como esquisitos – o que não vem a ser uma surpresa quando se trata de Wes Anderson. No entanto, toda a esquisitice dos personagens parece estar em certa sintonia, o que cedo ou tarde nos faz entender que os padrões de normalidade deles são aqueles e, portanto, os estranhos somos nós. Corrigindo, não somente nós. Suzy e Sam também parecem perdidos naquele meio, por isso decidem fugir para a floresta juntos, depois de se conhecerem durante uma apresentação dominical da Arca de Noé na igreja local.

Sam é um ex escoteiro da equipe do comandante Ward (Edward Norton), órfão e rejeitado por sua família adotiva. Suzy é apenas uma dentre os vários filhos pequenos de Walt (Bill Murray) e Laura Bishop (Frances McDormand), mas por alguma razão não consegue se enturmar com amigos ou mesmo com sua família destrambelhada, encontrando em Sam uma chance de ter um companheiro fiel e, melhor ainda, uma aventura pela floresta. Depois que os dois somem mata adentro, o comandante Ward – na verdade um infeliz professor de matemática que nas horas vagas lidera o grupo de pirralhos – e o policial Sharp (Bruce Willis) lideram junto com a família Bishop e com os escoteiros uma busca pelos dois fujões.

Por trás de situações fofinhas embaladas por canções suaves e diálogos nonsense, se escondem as marcas registradas mais fortes do cinema indie de Wes Anderson. Para muitos seu cinema chama mais atenção pelas firulas estéticas e mesmo narrativas, ou sua mise-èn-scene colorida e encantadora (o que não deixa de ser uma série de pontos fortes), mas a verdade é que seus filmes vão muito além disso tudo. Assim como vemos em Os Excêntricos Tenenbaums (The Royal Tenenbaums, 2001) ou A Vida Marinha com Steve Zissou (The Life Aquatic with Steve Zissou, 2004), os personagens que marcam presença nos filmes de Anderson são aqueles que não conseguem se adequar a uma sociedade. O mais interessante nisso tudo é que não se trata de uma sociedade semelhante à nossa, porque nesses trabalhos há toda uma preocupação em se criar um novo universo lógico, mas mesmo nesse contexto de fábula literária predominante na atmosfera de Moonrise Kingdom, nossos protagonistas não conseguem se encaixar. É como se a fantasia não fosse o suficiente para inteirá-los em um grupo, portanto só lhes resta a fuga. Não somente a fuga física, para uma floresta onde os dois irão se descobrir e se apaixonar – até porque eles sabem que é uma questão de tempo até serem achados – mas também uma fuga de suas próprias realidades íntimas. Suzy descobre que sua mãe tem um caso com o policial Sharp e que seus pais a consideram uma garota problemática; Sam perdeu os pais muito cedo e agora sofre mais uma rejeição de sua família adotiva. O medo dos dois, na verdade, é o de rejeição, de voltarem a ser ignorados ou rotulados pelas pessoas que deveriam ser próximas.

Esse medo não acomete somente os dois protagonistas, mas todos os personagens, de certa maneira. A diferença é que o núcleo de personagens adultos já se rendeu, enquanto os novos procuram um escape. Em uma bem humorada condução desses núcleos, Anderson coloca os adultos como pessoas infantis, infelizes e imaturas; enquanto as crianças tomam as rédeas da situação e planejam seguir por um caminho que lhes pareça ser o certo, em busca da aceitação, nem que para Suzy seja apenas a aceitação de Sam, e vice-versa.

Apesar do humor, do romance e do teor dramático, Moonrise Kingdom é um filme que não se encaixa plenamente em gêneros. Sua consistência se sobressai a moldes e padrões, e por isso o filme consegue ir tão longe em sua proposta de retratar a descoberta da vida adulta através de uma grande e bela aventura. Afinal, o grande outsider de todo esse trabalho é o próprio Wes Anderson, um dos cineastas mais sensibilíssimos dessa geração, e em sua ânsia de trazer para as telonas o conto mágico de dois adolescentes que um dia decidiram fugir para a floresta para conhecerem melhor a si mesmos, ele acabou também encontrando uma forma de se afirmar e ser aceito, mesmo sendo alguém tão deslocado em seu universo.

Comentários (8)

Camila Gomes | segunda-feira, 15 de Outubro de 2012 - 09:40

Confesso que eu não conhecia o trabalho de Wes Anderson.
E adorei "Moonrise Kingdom". O jogo de cenas, fotografia, dialogos. Fiquei encantada com Sam e Suzy.
Adoro o "incomum". Quantas vezes não nos sentimos, fora da realidade, fora do padrões impostos na sociedade, na idade em q vivemos. Nem tudo no mundo é metódico... E quando isso é bem elaborado, eu fico encantada.
Ótimo filme! :D

Fernanda B | terça-feira, 16 de Outubro de 2012 - 11:26

Meu interesse pelo filme começou quando vi a fotografia dele e agora, depois dessa crítica, fiquei bem ansiosa pra ver.

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