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Críticas

Cineplayers

Entre o filme e a personagem.

6,0
O caminho traçado até Moana - Um Mar de Aventuras é bem evidente. Desde os anos 1990, a Disney tem repensado suas protagonistas femininas como heroínas. Não que as primeiras “princesas” já não o fossem, mas desde A Pequena Sereia cada filme do gênero reproduz uma jornada do herói muito bem demarcada: a recusa do mundo paterno, a aventura por um novo mundo, etc. O gênero vem também respondendo a alguns incômodos contemporâneos. Frozen, por exemplo, trouxe a primeira princesa sem príncipe; assim como A Princesa e o Sapo trouxe a primeira princesa negra.

Moana responde a todo esse histórico recente de maneira bem autoconsciente. Ela é filha do chefe de sua aldeia, mas recusa ser chamada de princesa pelo seu companheiro de viagem; ela é uma “aventureira”. A correção é adequada, considerando que o título de “princesa” não deve fazer parte da cultura maori, em que o filme é inspirado. E talvez seja importante também para pôr algum limite na marca “princesas Disney”, que não está muito interessada se a heroína dos filmes pertencem ou não à nobreza e hoje ostentam Mulan e Pocahontas como parte do clube. Mas ainda assim, por melhores que sejam os motivos, o esforço de Moana para ser a protagonista da Disney mais adequada para as preocupações políticas da cultura pop contemporânea é notável, e, em alguns momentos, o filme parece estar estudando uma grande cartilha de como fazer uma protagonista correta.

Nesse ponto, pelo menos, o filme é extremamente bem-sucedido. Moana é uma boa personagem. As motivações para sua aventura me parecem demasiadamente nobres, mas ainda assim há algo nela mesma, na maneira como foi animada ou na expressão de seu rosto, que consegue ser imediatamente cativante. Acredito que a força da personagem esteja também relacionada aos acertos políticos do filme, à maneira como ostenta o espesso cabelo ondulado, ao movimento livre de suas roupas, aos traços étnicos bem evidentes de seu rosto. Quando Moana olha para o mar cada um desses traços da personagem parecem convergir em um desejo pelo “longe”, sobre o qual ela canta desnecessariamente, pois a música nada acrescenta ao olhar que a personagem dirige ao horizonte e que a constrói melhor que qualquer linha do roteiro do filme.

Digo isso em apreciação ao trabalho feito com a personagem, mas também como lamento por um roteiro muito pouco inspirado. A estrutura da jornada de Moana é mal desenvolvida e posta em termos simplistas. Cada situação da aventura parece estar lá apenas para preencher o tempo do filme. E a influência do estilo de texto, típico dos filmes da Dreamworks e Pixar (com gags e piadas constantes), não cai bem ao tom mitológico e épico da história do filme, que perde muito tempo com tentativas afetadas de distrair o público ou chamar a sua atenção. A música, como o humor, cai também nesse lugar de filler; e sequências inteiras simplesmente não se justificam, como quando os heróis encontram como obstáculo uma frota de cocos piratas.

A interpretação da dublagem nacional também prejudica bastante o filme. Enrolados ganhou fama pelo péssimo trabalho de Luciano Huck, mas Moana não fica muito atrás. O filme também tem possivelmente a pior e mais preguiçosa tradução em português das músicas entre os filmes da Disney, o que é uma pena considerando a boa fama que o trabalho de tradução e dublagem brasileiros carregavam até os anos 2000.

Cada um desses detalhes parece revelar a perda do caminho que leva de volta à Disney tradicional. A tentativa de recuperar o gênero da fantasia mitológica que consolidou o estúdio se depara com uma série de novas convenções para a animação infantil americana — principalmente, de vender um certo tipo de humor — que seguram o filme para bem aquém do que poderia ser. Fico com Moana, e o gesto da personagem de seguir a trilha sugerida pelas histórias e o espírito da avó, de encostar sua testa na da deusa criadora e de olhar para longe. É o filme, infelizmente, que não se ergue à altura da personagem.

Comentários (3)

Marcelo Queiroz | segunda-feira, 16 de Janeiro de 2017 - 11:28

Discordo de quase tudo. As músicas, no meu caso, serviram como ótimo empurrão pra alguns momentos arrastados que o filme realmente possui. A jornada foi bem explicitada e não achei nada corrido. A duração do filme, pra uma animação, me agradou. Não me senti cansado em nenhum momento e algumas cenas são muito bonitas.

Luís F. Beloto Cabral | segunda-feira, 16 de Janeiro de 2017 - 14:07

Eu também discordo sobre as canções. Acho que eles fizeram umas rimas narrativas bem legais por meio do musical. Mas concordo e muito com a questão das gags (porque as piadas sempre parecem tão batidas?) e principalmente com a dublagem. A tradução das músicas ficou beeeeem a desejar...

Matheus Bezerra de Lima | quinta-feira, 19 de Janeiro de 2017 - 20:58

Independente de nem todos acharem o filme muito bom porque unanimidade não existe, é fato que desde A Princesa e O Sapo a Disney vem se reerguendo e entregando boas animações e grandes sucessos. Não tenho dúvidas de que já podemos proclamar o segundo renascimento da Disney.

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