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Críticas

Cineplayers

Peculiar, para dizer o mínimo.

5,5
Apadrinhado por Tarantino, Eli Roth criou seu público através de um cinema sangrento, escatológico e ofensivo, caso de O Albergue, Bata Antes de Entrar e Canibais. Fundada por Steven Spielberg, a Amblin Entertainment tem no seu currículo verdadeiros clássicos juvenis oitentistas, como E.T. - O Extraterrestre, Uma Cilada para Roger Rabbit, Os Goonies e De Volta Para o Futuro. Inesperadamente, os dois se juntaram e o resultado é este O Mistério do Relógio na Parede.

Assistir a história do jovem Lewis Barnavelt, saída das páginas do romance de John Bellairs em 1973 e só adaptada agora para a tela grande, com nomes como Jack Black (Escola de Rock), Cate Blanchett (Carol) e Kyle McLachlan (Twin Peaks) no elenco, tem exatamente o resultado que a gente esperaria de uma mistura como essas - e justamente por isso tão estranha. O jovem garoto, que após perder a mãe se muda para a casa do tio e descobre que o mesmo é um feiticeiro tentando decifrar onde está um relógio escondido pelo proprietário anterior, é um Eli Roth polido, mas com suas escapadelas. 

O roteiro adaptado por Eric Kripke (Supernatural) é burocrático no limite do problemático. Há personagens e reviravoltas arquetípicos e clichês, um excesso de flashbacks explicativos e uma enorme demora em engatar a trama de verdade. O arco que Lewis vai para a escola praticamente não tem importância nenhuma, pois o que conta é a interação entre o garoto, seu tio Jonathan, a vizinha Florence e a procura pelo mistério deixado na casa pelo sinistro mago Isaac Izard. Os personagens apresentados lá, figuras com que fará amizade e inimizade, somam muito pouco tempo de tela, não afetam a trama muito estruturalmente (outros motivos poderiam ter o mesmo resultado) e jamais recebem um desenvolvimento interessante. Ficasse na casa e pulasse uns minutos, seria mais interessante.

Mas para além do roteiro do garoto tímido que vai juntando seus pequenos tijolinhos de confiança até aprender a se aceitar e receber a recompensa da sociabilidade e da família nuclear, está o fator de Eli Roth, que lá nos anos oitenta tanto assistia as grindhouses setentistas quanto clássicos do terror como Alien - Oitavo Passageiro ou o infame Porky’s - A Casa do Amor e o Riso, estar por trás das câmeras. 

Essa presença de uma mente habituada a sangue e pastelão afeta um tanto o filme: bruxos não usam seus objetos mágicos como varinhas, mas como espingardas; criaturas animadas mal-assombradas como abóboras, estátuas de grama, bonecos e afins fazem coisas bem parecidas com vomitar e defecar. Para não dizer de uma sequência no mínimo esquisita lá pelo seu final e uma subtrama envolvendo necromancia, magia de sangue e pacto com demônios e o resultado é  um filme que tenta surfar na onda de Harry Potter, A Bússola de Ouro, Desventuras em Série e outros, mas que tem um diretor feito à parte da lógica industrial. 

Não é um problema pontualmente falando; algumas cenas até acertam em seu intento, mas isso deixa o filme um tanto atonal, com a correia do estúdio não deixando que seja uma cópia xerox mas ao mesmo tempo deixando momentos um tanto grotescos para uma história que se pretendia tão inofensiva. Por isso, O Mistério do Relógio na Parede de Eli Roth acaba tendo um charme todo próprio enquanto o seu Desejo de Matar, lançado no início desse ano, parece um tanto derivativo - “pastelão sangrento” com uma relação conturbada, crítica e cínica ao mesmo tempo com o tema do vigilantismo, mas que no final padece da falta de ideias ao não entregar nada que filmes antecessores do diretor já não tenham oferecido. 

Já com seu filme “family friendly”, Roth vai até onde pouco desses filmes vão tanto em matéria de politicamente incorreto quanto no tom quase histérico e gritado nas partes mais dramáticas, com personagens engasgando em soluços ou terminando suas frases várias oitavas acima do tom normal. 

Ninguém pode acusá-lo de não ser um radical - mesmo quando veste uma roupagem mais limpa. Seu terceiro grande filme com grandes nomes (após Keanu Reeves e Bruce Willis) parece prenunciar que Roth talvez tenha alcançado o grande escalão de Hollywood. Puristas podem até dizer que ele “se vendeu”, mas se foi o caso, seus derivativos são o “primo esquisito” das matrizes originais, o que se não confere qualidade, ninguém pode dizer que não oferece um atrativo todo seu. O que poderia ser, tanto no terror perturbador quanto na fantasia juvenil, um resumo bem sucinto da carreira do diretor. Para o bem e para o mal, exagerado e inconfundível, como todo Eli Roth.

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