A infância, seus sonhos e desejos, uma primeira percepção e contato com a idade adulta, ainda longe de amadurecer mas já trombando em percalços, já foi matéria prima de inúmeras produções. Então seria o longa de Steven Wouterlood uma repetição de lugares já vistos? Não necessariamente. Apesar do olhar já experimentado por essas vias, o filme encanta ao adicionar temas ainda mais profundos ao imaginário infantil. Se a busca familiar geralmente faz parte dessa mistura, uma compreensão a respeito da solidão é um assunto pouco explorado até no cinema dito adulto. Aqui, o pequeno protagonista precisa compreender e aceitar a solidão como parte integrante da vida.
Logo na sequência inicial, o jovem Sam cava um buraco na areia da praia onde possa experimentar a ausência absoluta, e seu caminho ao longo do filme é também uma forma de entender esse espaço único, além também de reconfigurar (para si e para outros) uma espécie de organização do quadro de memórias. Esbarrando em diversos núcleos que aos poucos terão suas existências interligadas, o pequenino herói tem acesso a esse campo amplo de reflexão, talvez ainda profundo demais para ele, mas que deixa uma marca indelével através do que possivelmente é o primeiro evento marcante na vida do personagem.
Embalado pelo encontro com o primeiro amor, com uma típica rivalidade fraterna, com aqueles personagens pitorescos que marcam esse tipo de narrativa (e muitas meninices), esses códigos outros já citados acrescentam interesse extra e formam o grande diferencial dessa adaptação do livro de Anna Woltz. É o mergulho ao interior humano, ainda que diminuto, as contradições pouco identificadas com a primeira idade, que são um dos charmes e acertos do filme. Com um roteiro que consegue sintetizar um manancial de personagens, fazendo-os minimamente críveis, com arcos dramáticos completos, e sem deixá-los à deriva em determinado momento, já seria um acerto sem tamanho, dado que essa é uma questão muito padrão desse tipo de produção. Mas, além de acertar nos relevos dos tipos, o roteiro de Laura van Dijk ainda acerta na construção da ação, muito bem encadeada.
Contando com um elenco charmoso que corresponde com precisão a leitura de seus personagens, Meu Verão Extraordinário com Tess também distribui esse cuidado entre a equipe técnica, onde fotografia e direção de arte emolduram essa trama em um lugar de alegoria e beleza. O diretor ainda consegue realçar os dilemas da jovem menina em cena de maneira delicada, com profundidade e entrega. As muitas famílias retratadas e talvez a nova família formada pelo próprio filme recuperem os valores que a produção tenta promover, como a manutenção da memória e o poder libertador de angariar novas para si.
Crítica da cobertura da 43ª Mostra de São Paulo
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