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Críticas

Cineplayers

Desprezível.

0,0

É misterioso que a animação, campo onde teoricamente não há limites pra suspensão de descrença, careça tanto de criatividade. Ainda hoje há muito para se aprender com o velho desenho animado. De Pernalonga a Pica-Pau, de Papa-Léguas a Tom & Jerry, a animação só existe porque alguém, algum dia e em algum lugar, percebeu o quanto a realidade consegue ser insuportavelmente chata. A partir dessa constatação, o objetivo natural foi exatamente inverter o que é válido, corromper o que é estável, desafiar um elemento que acaba atrofiando com o tempo na maioria das pessoas: a imaginação. Onde foi que tudo se perdeu?

Meu Malvado Favorito (Despicable Me, no original), filme de estreia da Illumination Entertainment, é mais um projeto feito nas coxas pra entreter a pirralhada de férias no verão do hemisfério norte. Eu duvido que do insight à concepção da história tenham se passado mais de 5 minutos. Na verdade, tenho a impressão de que foi durante uma ida ao banheiro... Ainda que a princípio eu não veja nada de errado no formulaico (ao menos enquanto base da coisa toda), a animação dirigida por Pierre Coffin e Chris Renaud parece aquela construção bizarra de massa de modelar que a gente fazia quando criança, depois de já usada dezenas de vezes. Não há mais uma cor definida, tem pó, uns pedaços de pipoca grudados e, se você olhar atentamente pro seu dinossauro, vai ver que a cauda dele é a antena daquela estação espacial que você fez na semana passada. Há fragmentos de A Era do Gelo, Madagascar e até de Deu a Louca na Chapeuzinho por todo Meu Malvado Favorito.

Inclusive vi muito se falar por aí a respeito do quão inusitado era o fato de o protagonista ser, na verdade, o vilão do filme, o que seria uma fantástica ruptura na narrativa das animações da última década (lembrando que tal fórmula é mais uma característica dos desenhos clássicos). Pois procurei e não encontrei esse formidável personagem até agora... Gru não tem absolutamente nada de vilanesco, é apenas aquele velho personagem ranzinza que mais cedo ou mais tarde tem seu coração amolecido. Como Melvin Udall, de Melhor É Impossível - pra termos como parâmetro um exemplo que deu certo -, mas para que o personagem funcione, é necessário, antes de mais nada, introduzi-lo corretamente, tarefa na qual Meu Malvado Favorito falha sem a menor vergonha na cara. Aliás, introduzir personagem com pseudo-videoclipe já é quase tão gasto quanto “pónhóinhóim” ou coisa do gênero.

Algo da experiência ainda poderia ser salvo se o filme fosse simplesmente tão engraçado quanto se supõe, mas Meu Malvado Favorito é só um pé no saco. Muita gente suportou Madagascar e A Era do Gelo pelos esquetes dos pinguins e do esquilo, mas os Minions são insuportáveis. Mesmo apesar de terem um tempo absurdo em cena e um sem-número de gags visuais, os bichinhos amarelos foram projetados para divertir crianças de 3 anos (considerando que se subestime crianças de 3 anos). Gru não é odiável, não é adorável, não é engraçado, não é coisa nenhuma. Os demais personagens possuem uma personalidade só e não conseguem combiná-la ao bom-humor. Vector é apenas irritante, as órfãs são apenas fofinhas, Dr. Nefario é apenas uma função a ser cumprida no roteiro, e assim por diante.

Todas as boas ideias de onde Meu Malvado Favorito parte são subaproveitadas. Desde o potencialmente simbólico - e romântico - furto da lua (“What is it you want, Mary? You want the moon?”) até a noção de que existe toda uma sociedade organizada de grandes vilões (quase exatamente de onde partiu a Pixar em Os Incríveis). Porém, Coffin e Renaud falham ao inserir o espectador nesse universo e o filme todo se passa com uma estranha sensação de não possuir atmosfera, isso porque cada animação precisa inventar o seu próprio mundo (um mundo de brinquedos com vida, de uma sociedade secreta de monstros, de peixes tentando fugir de um aquário...). Meu Malvado Favorito não consegue criar esta dimensão de vilões que competem pelo maior de todos os roubos, e os personagens simplesmente coexistem num plano reciclado. Além de tudo, não deixa de ser o desperdício de uma grande oportunidade para explorar a figura do vilão na animação, razão pela qual todo projeto começa e termina.

Não sei bem a resposta para a pergunta do início do texto, mas sei que ela passa inexoravelmente pela falta de imaginação, pela ausência de ambição e mesmo de uma certa doce irresponsabilidade (que foi por onde tudo começou, há mais de 70 anos), e finalmente pelo fato de que o público premia esse segmento de animações de segunda classe. Afinal, pela única óptica que interessa, Meu Malvado Favorito é sucesso absoluto, inquestionável e com sequência garantida.

Como diria um velho personagem da Looney Tunes... despicable.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 30 de Novembro de 2013 - 13:24

É um problema quando adultos analizam filmes infantis levando tudo à sério demais. Filme pra criança nem tem que ter muito sentido. Eles têm que se divertir, por mais que seus pais saim da sessão com o saco cheio. Para saber se o filme infantil é bom, basta perguntar pro seu filho se ele gostou. Se a resposta for positiva, o filme é bom. Simples assim.

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