Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Retratando os horrores dos campos de concentração nazistas, filme retira cada um de seus clichês do sem número de filmes que já trataram do assunto.

4,0

Holocausto, segundo o dicionário Houaiss, é palavra utilizada pela primeira vez no século XIV e diz respeito a um sacrifício hebreu que consistia em queimar-se inteiramente a vítima. Por sua vez a história contemporânea tratou de resignificá-la ao nomear a barbárie do extermínio judeu empreendido pelo fascismo hitlerista, fazendo alusão aos modos utilizados nesse assassinato em massa. E apesar de não ser este o espaço apropriado pra aprofundar a discussão sobre essas escolhas, a dúvida que fica, transcorridos mais de 60 anos desde o episódio, é pensar porque o cinema insiste em esgarçar a possibilidade de olhares sobre o tema já que mesmo com tal diversidade de pontos de vista o holocausto corre o risco não de ser analisado, mas de banalizar-se pelo excesso.

O enfoque maior de O Menino do Pijama Listrado talvez não seja necessariamente o episódio que narra, mas o tema maior da intolerância étnica que tem voltado a ser tornar um problema tão sério que já não pode deixar de ser discutido. No entanto a maneira como se constrói a narrativa e os elementos utilizados para encadeá-la, esvaziam sua intenção e deixam o produto final com cara de mais do mesmo.

Mas falemos do filme antes de prosseguir: Bruno (Asa Butterfield) é um garoto de oito anos que vive sua vida feliz ao lado da família, até que o pai (David Thewlis), que é oficial do reich alemão, é transferido pra uma tarefa no interior e leva a família toda. Deslocado, Bruno precisa se relacionar com o novo e, para o bem ou para o mal, o novo é um campo de extermínio nos fundos da sua nova casa-prisão. Curioso, o menino se aproxima cada vez mais daquela suposta fazenda em que todos vestem pijamas. E lá ele começa a aprender sobre os jogos políticos que envolvem as sociedades e desconstrói o mito do judeu como bode expiatório de vários defeitos intrínsecos aos seres humanos quando conhece Shmuel (Jack Scanlon), que na metáfora mais óbvia, é um duplo de Bruno, menino da mesma idade que vive do outro lado da cerca que demarca o problema. Ali eles estabelecem essa relação como reflexo num espelho quebrado, em que de um lado existe o arquétipo pronto da vida no quadrante correto, e no outro a expressão de todos os problemas desse quadrante expostos em cada detalhe: no dente cariado, no cabelo raspado, em tudo o tal menino do pijama listrado é o mesmo que Bruno, só que do lado errado da cerca.

Apelando para o estreitamento desse laço de amizade, a ação carrega Bruno até o último limite da sua curiosidade: estar dentro da cerca com Shmuel. O final dele é previsível e existe uma espécie de letreiro de neon piscando desde o começo do filme, nos preparando e dizendo que esse final não é bom, tanto pra Bruno como para Shmuel, e a cena dos garotos se dando as mãos e finalmente apagando as supostas diferenças que os separam faz dos dois uma coisa só, sem com isso problematizar a questão. A docilidade do menininho judeu que perdoa uma traição grosseira do seu amiguinho alemão é outra falha nesse processo e tira a chance que o filme teria de dar mais nuances a essa relação.

Enfim, há uma mensagem interessante que fica esmagada sob as botas grosseiras que Shmuel usa como parte do uniforme. E não fica claro se essa mensagem fica obscurecida pelo uso de um exemplo cinematograficamente já tão usado como ponto para outras discussões ou se houve uma preguiça em problematizar melhor essa história que o escritor John Boyne construiu como um romance e que David Heyman, o produtor responsável também pela franquia Harry Potter, resolveu levar para o cinema.

As intenções sobre uma produção como essa no geral nunca ficam muito claras, mas se estamos aqui para falar da sensibilidade que o filme aponta o que sobra é um melodrama previsível. Pena para Bruno e Shmuel que são sacrificados em nome de um discurso que não conseguem fazer entender, assim como o próprio episódio que escolheram para dar luz a essa questão.

Comentários (1)

Matheus Bezerra de Lima | quinta-feira, 31 de Março de 2016 - 21:37

Discordo de sua crítica ao filme. A crítica ao nazismo é bem-feita e mostra como era a sociedade alemã e ajuda a entender porque as pessoas colaboraram com o nazismo. Sem falar que não vejo exatamente um problema no fato do menino judeu perdoar o Bruno, acho que isso é importantíssimo para mostrar ainda mais o quão sem sentido é a ideia de que os judeus são a escória da humanidade. O nazismo e o Holocausto foram horríveis, não há como dizer a situação de outra forma sem flertar com simpatia ao nazismo. E mesmo que fosse possível, muita gente não iria gostar. O filme pode não ser original em sua história, mas convenhamos, vamos ter mais sensibilidade, a história retratada e seu desfecho são tocantes e retratam a crueldade do nazismo e de como o mal pode se virar contra você. Convenhamos, se você visse alguém contando que uma história como essa do filme aconteceu de verdade, você ficaria profundamente comovido com tal história e a tomaria como lição de vida. Verdade é que o mal é clichê.

Faça login para comentar.