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Me Chame Pelo Seu Nome

(Call Me by Your Name, 2017)
7,7
Média
297 votos
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Críticas

Cineplayers

A construção da identidade emocional.

10,0
É muito estranho que a Itália esteja passando por uma entressafra de realizadores há alguns anos, exatamente um país que tem a tradição do cinema escrita nas entranhas da sétima arte. Essa estranheza advém principalmente do fato de que um dos melhores diretores da atualidade é italiano e realiza filmes cada vez melhores, com uma assinatura cada vez mais clara e até agora sem nenhum deslumbramento. Seu nome é Luca Guadagnino, e seu olhar globalizado acaba escapando da contagem italiana por excelência, já que seus filmes abordam personagens de diversas partes do mundo, estando ou não em seu país de origem, falando ou não italiano. Independente de qualquer coisa, Luca faz um cinema que o coloca em qualquer alto patamar da atualidade e injeta um cinema que conhece as matrizes do próprio cinema nas telas.

Há quase um ano já ouvimos falar de Me Chame pelo seu Nome, e seria fácil e compreensível uma pressão da tão temida expectativa. Mas já na primeira cena, Luca nos quebra e entrega poesia. Nada de declamação, apenas aquele olhar bucólico para o cotidiano que Eric Rohmer tantas vezes nos presenteou, talvez seja essa a grande referência da vez, depois de uma pincelada de Antonioni em A Bigger Splash. Baseado no livro escrito por André Aciman, o filme reproduz um estado de espírito tipicamente abastado visto tantas vezes nos anos 70 nas telas, um modo de vida retratado lá e aqui traduzido para o início dos 90, quase que espelhando a barreira entre o fim de uma era e o início de outra, com toda a festa típica do fim e a depressão da ressaca do dia seguinte. Esse típico núcleo familiar abastado embebidos em cultura é uma constante na filmografia de Luca e também isso tem essa fonte do cinema europeu dos anos 60 e 70, mas aqui sem a elucubração dos longas da época.

A abordagem de um coming of age que vai se desfolhando em um ponto focal LGBT até explodir em abrangência universal, é crucial para obter o abraço generalizado do público, o que vem sendo claramente conseguido pelo que é visto no abraço que os festivais do mundo inteiro fazem ao filme, um poço infinito de qualidades regido por um maestro elegante e primoroso. Agora prestes a se jogar no mundo, Luca Guadagnino tem a maturidade necessária para desdobrar referências e criar uma identidade muito própria e muito autoral sem jamais perder a comunicação. Sua câmera está pela primeira vez longe da suntuosidade e de uma certa opulência de uma classe da sociedade. Aqui, os personagens (apesar de abastados, indubitavelmente) parecem ter menos deslumbre, talvez por terem uma origem no magistério. Há muito mais consciência aqui e a inteligência emocional é o responsável pela delicadeza e serenidade para com o desenrolar dos fatos diante dos olhos.

Elio é um adolescente, que costuma receber junto à sua família ao menos um ex-aluno do pai professor por verão, na casa da família no interior da Itália. No ano específico mostrado pelo filme chega Oliver, um aparente bon vivant que terá seis semanas de férias junto a eles. O verão italiano provoca um incessante clima de romance no ar entre os rapazes e as diversas moças também frequentadoras da casa da família. Mas lentamente algo muda no contato entre Elio e Oliver, e as linhas da amizade e da admiração mútua começam a ficar embaçadas, indo até uma situação-limite para ambos, com um tom de sedução contínua que acaba se tornando o clima do próprio filme também, uma extensão dos personagens. Luca acaba imbuindo cargas diferentes de desejo, tensão e erotismo e equilibrando de maneira perfeita um filme cujas bases cinematográficas são exemplares. 

Com uma mise-en-scène de tirar o fôlego, onde passeia pelo quarto vazado dos protagonistas para espelhar suas reações, seus toques e olhares tão sutis que um espectador menos atento pode não captar todas as nuances visuais (a cargo de Sayombhu Mukdeeprom, o colaborador habitual de Apichatpong Weerasethakul até o clássico Tio Boonmee que Pode Recordar suas Vidas Passadas), Luca Guadagnino era o mais perfeito adaptador visual desse romance, cujo texto sai da pena do nonagenário mestre James Ivory, numa aula de roteiro e construção. Contando ainda com ao menos um trio de atores em estado de graça - Armie Hammer, o fantástico novato Timothee Chalamet e Michael Stuhlbarg, responsável no filme pelo melhor e mais avassalador monólogo do ano - passou a hora da Itália ultra valorizar esse exímio artesão que tem em mãos, o homem que tão habilmente sempre transforma a atração carnal em imagens e dessa vez, em total convergência com o autor de O Joelho de Claire e a quadrilogia das estações, construiu a mais definitiva e sensual parábola para o nascimento de nossa identidade emocional, seja ela em qual tempo for.

Visto no Festival de Cinema do Rio

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