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Críticas

Cineplayers

Criador e criatura em busca de um mentor.

6,0
É bem difícil confiar em Peter Landesman, a essa altura muitos já sabem. Com um currículo de dar inveja a ninguém, o cara vem se especializando em biografias, e como O Formidável prova essa mesma semana, para cada biografia boa lançada outras 20 pelo menos de qualidade praticamente inexistente também chegam no circuito. Essa vem sendo a seara do rapaz, e com produtos como JFK: A História Nunca Contada' (favor não confundir com a bela odisseia política dirigida por Oliver Stone) e Um Homem Entre Gigantes (um 'Oscar bait' para Will Smith bem vagabundo) ele simplesmente não acontece, mas isso não o impede de continuar tentando. Pelo visto Landesman tem obsessão por política americana, porque o enfoque volta a ser esse ao escolher Mark Felt para mirar seu holofote. Quem é Mark Felt? Felt era uma espécie de vice líder (ou o líder real, só não empossado) do FBI nos anos 60 e 70, pegou o final da era Hoover e principalmente, estava na agência no momento do escândalo Watergate. Mas Felt não era uma testemunha ocular, pura e simples.

Landesman também é o roteirista de seus filmes, e nesse terceiro isso não foi diferente. Com um script um pouco melhor, o realizador não conseguiu nada fora do comum, mas mostra um avanço, sem dúvidas; um trabalho bem superior que talvez comece a levá-lo para algum lugar, enfim. O charme de estar observando o maior escândalo político americano dos anos 70 por um ponto de vista realmente diferenciado não tira do quadro o fato de que ainda assim é o mesmo escândalo Watergate de sempre, mas para conseguir algo a mais Landesman adapta o livro escrito pelo próprio Mark Felt, o que a partir daí deixa esse homem no centro da narrativa, seus dilemas e sua vida pessoal. A situação que envolve o desaparecimento de sua única filha, a relação conflituosa dela com a mãe, as buscas que finalmente ganham contorno em determinado momento e seu casamento em si. É uma forma de colocar um escopo diferenciado numa situação que foi estudada, lida e filmada diversas vezes.

Mas não espere uma direção necessariamente mirabolante. Landesman ainda tateia no escuro o que fazer com sua carreira para torná-la relevante, isso se um dia chegar ao lugar de um diretor acima da média. Porém, se tem algo que ele conseguiu em seus três tiros foi atrair um elenco bem mais relevante que ele, e devemos incluir aí algum mérito, que seja como vendedor do próprio peixe. Filmando biografias isso deve ser algo mais fácil, a história real apinhada de personagens sérios e certos faz mais do que 50% do trabalho, decerto. Então, já conhecendo seus trabalhos anteriores, alguma surpresa acontece quando ele resolve filmar situações secretas e do lado de fora de onde elas acontecem, através de vidros e janelas. O filme tem essa qualidade: sabendo tratar-se de uma narrativa que envolve segredos que destruirão vidas (e até um país), boa parte dos seus diálogos são filmados com a consciência desse dispositivo de linguagem narrativa: a distância, ainda que acessada por alguns, é primordial para que se faça certo charme.

Quanto ao elenco já mencionado, ainda que o título do filme entregue que o mesmo tem um dono, não custa relacionar o comprometimento de um grupo de atores que não fazem verão sozinhos, mas que juntos provocam bela revoada. Nomes até meio 'outsiders' como os de Josh Lucas, Marton Csokas e Tony Goldwin (três nomes que provocarão um total de 0 frisson em quem ler esse texto, mas que se tornarão boas lembranças a quem se aventurar pela produção) se misturam ao de Bruce Greenwood e à sempre extraordinária Diane Lane em cena. Aliás, um aparte: tendo a maior participação do elenco pois interpreta a esposa do protagonista, como é intensa e gigante Diane, sempre; suas cenas não apenas estão entre as melhores inserções do filme, como ela dá uma colher enorme de humanidade ao personagem principal, interpretado pelo grande Liam Neeson. Nos últimos anos, Neeson tem reerguido sua carreira graças aos curiosos filmes de gênero que tem protagonizado e a parceria profícua e feliz com Jaume Collet-Serra. Aqui, quem teria esquecido da importância e da envergadura dele recorda, já que a ombridade, a segurança e a gama de dilemas que seu personagem precisa enfrentar colocam Neeson de volta no lugar dos grandes. Um lugar que de fato é dele.

Talvez esse seja o maior mérito de um filme de um diretor que ainda não se descobriu e andava pelo cinema com a mesmice que só biografias burocráticas dão a alguém, mas que sempre investiu em elencos impressionantes para elevar seu material, pois o que Albert Brooks fez no seu longa anterior é conseguido aqui pelo seu par central, que prova que merece mais do que Peter Landesman. Peter Landesman, por sua vez, mostra que na grande frase do filme (não se perde por esperar o momento onde Neeson "veste", enfim, a armadura do tão alardeado Garganta Profunda) pode vir a ter até mesmo, quem sabe, uma carreira de verdade.

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