Há 5 anos Mohsen Makhmalbaf não entregava um filme novo (o último, O Presidente), e como tantos cineastas iranianos, acaba com essa nova produção conseguir apoio para sua arte no centro europeu, aqui no caso a Itália. Assinando o roteiro junto com sua esposa Marzieh, Mohsen consegue tanto se apropriar de aspectos muito caros à sociedade italiana (o catolicismo quase como definidor de caráter) quanto deixar sua marca como realizador efetivamente iraniano, que metaforiza tempo, convenções, realidade e ficção, dentro de uma lógica muito própria. Lição de humildade do realizador foi se deixar contaminar pela atmosfera do próprio lugar e ventilar na sua filmografia uma tentativa de cinema com uma forte ligação religiosa que não comunga com a dele próprio.
O título do filme já entrega o ponto de partida; Marghe é uma pequena italiana que vive com sua mãe Claudia, que precisa de ajuda constante para cuidar e criar a filha. Claudia a teve muito jovem, e ainda na flor da idade se vê abandonada por um namorado por quem era apaixonada, e mais do que isso, era uma espécie de esteio dentro de sua casa - o filme se inicia com esse abandono de mãe e filha, que em uma cena memorável e típica de Mohsen, iniciam um jogo onde trocam os papéis sociais, deixando clara a dependência emocional da menina por uma figura paterna e da imaturidade completa da mãe. Marghe, ao longo da projeção, vai realmente se mostrando muito mais responsável e adulta do que sua mãe, que só caminha para atitudes cada vez mais irresponsáveis e impulsivas mais condizentes com uma criança irresponsável.
O filme propõe esse jogo de espelhos entre duas gerações que parecem trocadas em suas decisões e posturas diante das questões da vida, e que é uma marca do cinema iraniano, comunicar-se através da fantasia e da metáfora, sempre com propostas tão sofisticadas quanto de fácil assimilação. Também na relação com o espaço cênico, o filme explora o tempo todo as múltiplas possibilidades narrativas através do cenário real onde ambienta sua história, fazendo de cada elemento um novo personagem, ainda que objeto. A câmera usada pra filmar um teste de cinema, o altar onde crianças se confessam, o macarrão extremamente vermelho, uma cicatriz profunda na barriga, são todos potenciais vetores para alimentar o roteiro e vice versa, deixando-se encontrar e reencontrar os ganchos narrativos que sustentam essa trama de desamparo afetivo.
Entretanto há um descompasso do roteiro em determinado momento da produção, quando Claudia e sua amiga conhecem uma dupla de desocupados trambiqueiros e eles as convencem a participar de um golpe com eles, levando o filme a um caminho estranho de 'crime e castigo', aí talvez lidando demais com os códigos católicos do que seria pecado, remissão e sacrifício, que tira o filme de uma proposta reflexiva sobre um desenvolvimento atrasado de amadurecimento para questões mais complexas e pouco apresentadas até então, em conclusão que destoa não apenas da proposta como parece moralizante, além de condenar um dos mais interessantes e ricos personagens do filme sem qualquer sentido.
Com duas atrizes no centro da narrativa com química suficiente pra nos prender à história do início, vale ressaltar ainda todas as muito espertas interações da pequena Marghe com seus amiguinhos, suas brincadeiras envolvendo religião que tiram sarro da moral que o filme nos empurra ao final da jornada. Com um ator nato como Danilo Acinapura aproveitando uma cena de diálogo na cama para desenvolver nossa empatia por tipo de insuspeitas camadas não aproveitadas, Marghe e sua mãe é um programa abaixo da média para Mohsen Makhmalbaf, mas que aponta a coragem do diretor de tentar compreender uma realidade tão longe da própria.
Crítica da cobertura da 43ª Mostra de São Paulo
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