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Críticas

Cineplayers

Assustadoramente gostoso de se assistir, brinca com os personagens, deixando-os passivos à imensidão do oceano.

8,0

O terror psicológico já foi explorado de maneira exaustiva pelo cinema. Em Mar Aberto, esse tipo de terror ganha nova vida e inovação ao tratar o tema com um tempero a mais: a passividade dos protagonistas perante a situação em que se encontram. O casal Susan (Blanchard Ryan) e Daniel (Daniel Travis) partem em um relaxante passeio com um grupo de mergulho para tentarem um novo ânimo no relacionamento dos dois, que anda para lá de abalado, devido à intensa agenda de trabalho de ambos. Junto com os outros integrantes do passeio, caem na água e começam o passeio pelo fundo do oceano. Há um problema com a contagem dos clientes e, quando Susan e Daniel emergem, o barco que deveria levá-los de volta à terra firme não está mais lá. Ambos chegam a conclusão de que não têm mais nada a fazer a não ser esperarem que o barco dê pela falta do casal e retorne o quanto antes para resgatá-los.

Com essa premissa, o filme consegue criar inúmeras situações extremamente agoniantes. Poucas vezes me senti tão tenso no cinema, realmente incomodado com tudo o que os personagens estavam passando, como se fosse comigo de verdade. Cheguei a pensar que não estava gostando do filme, mas ainda durante ele, vi que não era questão de não estar gostando do que estava acontecendo, e sim que aquilo estava conseguindo mexer comigo de verdade! O terrível incômodo que estava sentindo provinha por eu estar pensando a mesma coisa que levou os personagens do filme ao desespero: o fato de estarem simplesmente a mercê do meio. A maré os leva para onde quiser e eles simplesmente não podem fazer nada quanto a isso.

Somando essa "pequena" impotência dos personagens com a consciência do perigo que estão correndo tudo fica ainda mais desesperador. Eles têm plena consciência de tudo o que os rodeia, o que nos faz pensar em um terceiro fator que deixa tudo ainda mais aflito: eles simplesmente não conseguem ver o que está acontecendo embaixo de seus pés! Pior do que não saber o que o ronda, é ter plena consciência do que pode lhe acontecer, não conseguir ver se há algo embaixo de você e ainda não poder fazer nada para alterar essa situação!

Com isso, tudo no filme ganha uma dimensão extraordinária. Há alguns momentos onde simplesmente não acontece nada, ficamos vendo apenas o casal discutindo a relação, a situação em que estão e os perigos que podem estar ao seu redor. Isso compromete um pouco o ritmo do filme, que parece ser um pouco maior do que deveria, mas dá uma profundidade maior aos seus sentimentos. Afinal, sabemos exatamente o que está se passando com eles. A câmera, sempre agitada, por dentro da situação, é simplesmente brilhante, pois dá um tom pessoal a situação. Com a captação digital, é quase como se estivéssemos assistindo a um documentário. Não chega a ser tão assustador quanto a primeira pessoa de A Bruxa de Blair, por exemplo, mas conseguimos sentir uma sensação de proximidade com a situação desconfortante – e isso é positivo.

Porém, esses momentos mais tediosos fazem com que os momentos em que acontece algo sejam ainda melhores. O simples fato dos personagens reclamarem que sentiram algo já é motivo para ativar nossas mentes e nos fazer pensar nas piores coisas que podem estar rodeando os personagens. A direção é excelente e não se limita a dar sustos com base em um som alto e repentino. Algumas tomadas, que pegam de repente o passar de um tubarão, por exemplo, são simplesmente fantásticas. A tomada que mostra a quantidade de tubarões no fundo é simplesmente genial e perturbadora. Mais uma vez, se temos plena consciência do que um tubarão pode fazer com uma pessoa, imagine um cardume inteiro.

Na cena à noite, a tela passa uma boa parte totalmente escura, apenas com um belíssimo trabalho de som criado para sustentar a tensão. Quando há uma trovejada, é possível ver, por um instante de segundo, os personagens desesperados e algo simplesmente perturbador: uma barbatana de tubarão. Somente com isso, em uma cena parecida com a que Uma Thurman é enterrada viva em Kill Bill: Vol. 2, o diretor consegue criar um clima extremamente pertubador e de maneira criativa e inteligente. A música é praticamente nula, o que nos deixa ligados simplesmente na ação, sem um fio condutor para dizer o que devemos sentir ou não. As cenas em que o diretor inclui tomadas tranqüilas e festivas contrastam perfeitamente com o tom desesperador em que os personagens se encontram.

Como a captação foi feita em digital, uma diferença na imagem pode ser percebida, que dá um ar mais realista a tudo, ao invés de toda aquela parafernália Hollywoodiana a que muitos podem estar acostumados. Cheguei a ver dois casais comentando, na saída da sessão em que assisti ao filme, que não era isso que eles esperavam, que pelo trailer acharam que era um baita filme de ação, cheio de efeitos especiais e o melhor nesse sentido que eles haviam visto havia sido as gaivotas no céu. Bom, se for isso que você espera também de Mar Aberto, fique longe dele. Gaste o seu dinheiro com um filme de ação banal qualquer por aí. Mar Aberto é um filme principalmente de clima, de terror psicológico e, acima de tudo, foge do óbvio na grande maioria do tempo.

Baseado em uma situação real ocorrida em 1998 na Austrália, o roteiro do também diretor estreante Chris Kentis consegue ser preciso e funcional. Um belo trabalho, de baixíssimo orçamento (custou um pouco mais de 100 mil dólares), bem dirigido e interpretado e que mais uma vez prova que o bom cinema não precisa de efeitos especiais e nem de milhões de dólares para ser de boa qualidade. Vá assistir Mar Aberto esperando um filme fora dos padrões comerciais, mas que merece uma dose de atenção a mais. Assustadoramente gostoso de se assistir.

Comentários (3)

Rodrigo Cunha | domingo, 09 de Outubro de 2016 - 23:05

Qual? Poderia detalhar?

Davi de Almeida Rezende | segunda-feira, 10 de Outubro de 2016 - 14:48

Você comprou a ideia de que o filme é uma espécie de Bruxa de Blair, ou seja, um filme completamente precário, se existisse uma classificação abaixo de "filme b", ele entraria facilmente, mas que por alguma mágica ficou bom, com suspense, " interessante". Sendo que a Lions Gate apenas criou esse marketing ao redor do filme C inócuo para vendê-lo.

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