Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

A infância exposta ao soturno.

6,0

Apadrinhado por Guillermo del Toro, Andrés Muschietti faz sua estreia na seara dos longas-metragens com Mama (idem, 2013), conto de horror que põe a infância em contato direto com o sinistro e o soturno. Aqui, ele assina tanto a direção quanto o roteiro como Andy Muschietti e divide a segunda função com Neil Cross e a esposa Barbara Muschietti para narrar uma história atravessada por sustos e cenas noturnas, índices prototípicos do gênero cuja utilização soa orgânica. O foco se volta para Jeff (Nikolaj Coster-Waldau), que cometeu a loucura de assassinar a própria esposa e fugir com as duas filhas, Lily e Victoria, para longe de casa sem rumo determinado. Dirigindo em alta velocidade, ele acaba por derrapar numa pista embranquecida pela nevasca. Os três sobrevivem ao acidente e vão parar em uma cabana no interior de uma floresta muito suspeita. Algum perigo ronda o lugar, como reza a cartilha do terror.

Depois da sequência nas ramagens frias, o sobrenatural começa a se insinuar e, com ele, surge o primeiro grande susto para o público. Um novo ato extremado de Jeff é impedido por uma figura enigmática e de movimentos abruptos, e as meninas permanecem a salvo naquele ambiente deplorável. Com o passar dos anos, adaptam-se a uma realidade hostil enquanto são procuradas pelos outros familiares e, uma vez encontradas, demonstram uma natureza humana adormecida, em estado latente. O afastamento da sociedade as tornou figuras animalescas, guiadas pelo instinto. Até que voltem a se comportar do modo que se espera de garotas de sua idade, um discreto e insistente processo de aproximação se faz necessário. O tio Luke (vivido pelo mesmo Coster-Waldau), com quem elas passam a viver, é todo paciência nessa fase, e o mesmo não se pode dizer de Annabel (Jessica Chastain), sua namorada descolada que toca numa banda e não demonstra a menor inclinação para lidar com crianças.

O sobrenatural invade a trama de fato durante a convivência de Lily e Victoria com o casal. Existe uma forte conexão entre elas e a floresta que se traduz em eventos racionalmente inexplicáveis, provocados pela mesma entidade-título que, no primeiro ato, garantiu a sobrevivência de Victoria. São o verdadeiro terror de Mama, que também oferece lascas de suspense e um punhado de lugares comuns que, em primeira instância, fazem da produção mais um exemplar de um gênero que, por tantas vezes, soa como uma espécie de caricatura de si mesmo. Em outras palavras, a discreta qualidade de Mama vem muito mais das interpretações de Chastain e das atrizes mirins do que pelo seu roteiro pontuado por algumas derrapadas.

Entre os furos observáveis nos 100 minutos de projeção está a demora exagerada para a localização das meninas na tal floresta. São cinco anos de buscas para um resultado que se poderia alcançar em bem menos tempo, considerando que o lugar não era tão distante. A sequência que mostra Jeff internado no hospital em estado grave para, no minuto seguinte, acompanhá-lo em disparada pelos corredores disposto a ajudar as sobrinhas é outro pequeno deslize da narrativa. No que tange aos clichês, não faltam os mais básicos e questionáveis. O perigo sempre vem com a noite e sua escuridão inerente, seja através de sons estranhos, seja por mortes violentas, sobretudo de personagens em busca da resolução do mistério que responde pelo enovelamento do enredo. Sem falar na coragem suicida e inverossímil desses personagens, que se aproximam do objeto estranho completamente desguarnecidos.

Em função desses índices, Mama – que trava diálogo com o curta Mamá (idem, 2012), do mesmo realizador - pende muito mais para o rol dos terrores genéricos, carentes de marcas autorais fortes. A comparação pode soar estapafúrdia, mas tem sua pertinência: quando concebeu filmes do gênero, Ingmar Bergman foi capaz de imprimir um estilo pessoal e criar uma alegoria a partir dos demônios que povoam a mente de um artista. O mesmo não se pode dizer de Muschietti, que parece acomodado à gramática do terror e apenas repisa um tema e uma abordagem recorrentes no gênero. Em uma arte plena de caminhos como o Cinema – toda arte o é, aliás – mais pitadas de audácia na construção e alinhavamento da trama poderiam afastá-la de uma quase despersonalização.

Comentários (6)

Paulo Faria Esteves | sábado, 06 de Abril de 2013 - 14:25

A fotografia-rosto da crítica está excelente! De resto, com 6.0 ou não, mantenho boas expectativas em relação a este filme...

Alan Principe | segunda-feira, 03 de Junho de 2013 - 12:31

A galera só chegava na cabana à noite. Eu me pocava de rir.

O final, pra mim, totalmente WTF. Podiam ter trabalhado a conclusão de outra forma na minha opinião.

Cristian Oliveira Bruno | quinta-feira, 28 de Novembro de 2013 - 18:33

O filme não é ruim não. Eu nem enquadro como um filme 100% terror e sim, um filme sobre desapego e amadurecimento. Libertação. Lily não se libertou da figura protetora e com ela foi para seja lá onde for. Não interpretei como morte da menina. Achei um filme bem mais desnorteante do que assustador em si, coisa que não é mesmo.

Faça login para comentar.