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Críticas

Cineplayers

Em seu novo filme, Sylvain Chomet revisita o cinema de Jacques Tati.

7,0

O Mágico é um filme cercado de expectativas. Em primeiro lugar, por ser o novo filme de Sylvain Chomet – diretor do belo As Bicicletas de Belleville (Les triplettes de Belleville, 2003). Além disso, o filme baseia-se em um roteiro original do diretor e ator francês Jacques Tati – eternizado cinematograficamente pelo figura do Senhor Hulot (personagem mais famoso de Tati, presente em quatro dos seus seis filmes). E em O mágico a citação a Tati não fica apenas no aproveitamento do roteiro inédito. O protagonista da animação é o próprio Tati/Hulot: sua silhueta inconfundível transformada em uma cópia animada perfeita. Um tipo de apropriação fantasmagórica que só é possível no cinema.

Por essa presença constante de Jacques Tati no filme, é quase impossível passar pelo O mágico sem compará-lo com as peripécias anteriores de Hulot. Aliás, apesar de no filme o personagem do mágico permanecer sem nome, a citação torna-se explicita no momento em que a cópia animada e o original projetado encontram-se frente a frente. Isso acontece quando em uma metalinguagem divertida, embora um pouco óbvia, o mágico vê-se diante da projeção de Meu Tio (Mon oncle, 1958) na tela de cinema. Essa imagem dentro da imagem ilustra o tom em que o filme se relaciona com suas citações.

O mágico mostra a trajetória de um ilusionista no final dos anos 1950, em Paris. Sua carreira e profissão estão em franca decadência. O público não está mais interessado em coelhos saindo da cartola e buquês de flores dentro da manga, prefere bandas de rock e publicidades de consumo fácil. Diante disso, o personagem vê-se obrigado a apresentar-se em locais cada vez mais precários. E é nesse contexto que o velho mágico conhece a jovem Alice, arrumadeira de um dos locais em que ele se apresenta. Desse encontro nasce uma improvável amizade – que só se entende plenamente ao final do filme.

Um dos maiores méritos de Chomet é, por meio desse filme, fazer uma atualização da obra de Tati. Existem aproximações evidentes entre o universo dos dois diretores: os diálogos que funcionam mais como música do que texto (O mágico é um filme que não precisa de legendas, pois os personagens falam quase sempre línguas diferentes e estão no limiar da incomunicabilidade); a caricaturização da mise en scène, os personagens de gestos exagerados – algo que liga Tati a animação de forma brilhante (a silhueta angulosa de Hulot parece ter sido realmente obra de um ilustrador) e certa crítica à modernidade (tão atual em Tati e um pouco requentada em Chomet).

Mas não dá para ignorar o meio século que existe entre um diretor e outro. E é nesse ponto que o filme de Chomet perde muito de sua força por comparação. O Hulot de Jacques Tati é um senhor francês já de certa idade que vive deslocado de seu tempo: entre os anos de 1950 e 1970. Parte de sua força cômica vem justamente desse seu jeito anacrônico atrapalhado. Por exemplo, ele dirige um carro velho que vive dando defeito em As férias do Sr. Hulot (Les vacances de Monsieur Hulot, 1953); ele não se adapta ao emprego na fábrica em Meu Tio; ele se perde constantemente na modernidade arquitetônica de Playtime (idem, 1967); etc. E o mérito de Tati é o de fazer críticas que eram extremamente contemporâneas aos seu filmes. Se sua obra tem um ar nostálgico, é também de uma nostalgia em disputa: apesar das confusões que provoca, Hulot continua sendo o ídolo do sobrinho e recebendo alguns cartões de visita no final de suas férias. Ou seja, ao mesmo tempo em que é rechaçado por esse mundo cada vez mais moderno e impessoal, Hulot também cativa afetos e amigos verdadeiros.

Quando essa nostalgia é retomada por Chomet mais de 50 anos depois, de forma ainda mais pessimista, já não há espaço para disputas ou ambiguidades. A releitura que o diretor faz do final dos anos 1950 é dura, pesada, sem a ternura de crítica de Jacques Tati. Nesse contexto, o passado nostálgico torna-se acima de tudo idealizado. De certa forma, o filme não consegue transpor para o seu conteúdo a força que tem na sua metalinguagem cinematográfica. Para além das referências cults e da nostalgia idealizada, O mágico parece um pouco vazio. Ou apenas, infinitamente triste – ainda que belo.

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