Há mais de 20 anos uma história real e criminosa apavorou o Brasil. Na região de Nova Friburgo, dois irmãos se embrenharam pela mata próximo à vila onde moravam a fim de cometer uma série bárbara de assassinatos. A região era a morada deles e as mulheres assassinadas de alguma forma faziam parte de suas vidas desde a infância. O diretor Marcos Prado, responsável por Paraísos Artificiais, se debruça sobre essa história real e livremente se inspira sobre esses fatos para construir seu segundo longa de ficção, demonstrando preferência por personagens verídicos, como seus documentários já demonstravam. Ainda que sua intenção de explorar o cinema de gênero seja válida (atualmente, há um interesse do autor nacional por visitar o horror), sua tentativa soa deslocada.
Não apenas dentro da própria filmografia, como principalmente partindo dos cânones que ele tenta compreender, Prado repercute em seu filme uma espécie de formalidade que não cai bem nessa seara. Há, apesar dos esforços, um controle formal que é o avesso do que bons exemplares do horror/suspense/policial trabalham em si, e que o cinema nacional pode explorar de forma muito eficiente. Através de um nervosismo latente, uma câmera indócil, o descontrole necessário viria à tona, e que parece não ter sido assimilada por seu trabalho de direção. O tempo todo observamos o filme trafegar em terreno seguro, sem desestabilizar o espectador de qualquer ordem, deixando toda a ambientação dentro do que se espera.
Como se orbitasse um lugar da burocracia até bem próximo ao final, Macabro não é necessariamente um filme defeituoso, mas um filme confortável — e isso vindo de uma produção que deveria ao menos provocar tensão, é preocupante. No terço final, Prado ensaia uma reação a letargia apresentada até ali, porém é tarde para mudar o quadro geral. A essa altura o roteiro (de Lucas Paraizo e Rita Glória Curvo, ele, um dos promissores roteiristas da atualidade) já cometeu outros delitos, como tachar aquele grupo de pessoas em sua maioria interiorana com uma fleugma e um vocabulário distantes de qualquer credibilidade, que, aliados à postura geral do elenco sempre altiva, criam uma zona de desentendimento entre a produção e a credibilidade do projeto.
Ainda há um interesse de debate racial que não apenas se perde, como nunca define sua posição focal, ora assumindo uma postura combativa pelo tratamento que os assassinos receberam em sua infância por toda a cidade, ora colocando o protagonista vivido por Renato Góes em lugar de repetir os desmandos do próprio lugar, tudo isso de maneira não relevada, sem provocar um debate aprofundado e estereotipando um grande ator como Flávio Bauraqui a repetir impropérios, e relegar um outro personagem negro a subserviência narrativa. Mesmo tentando mirar nesse ponto, o filme erra também no desenvolvimento, acabando por não relativizar a situação criminal de maneira isenta, quase transformando em mártires homens que, ainda que produto de uma sociedade exploratória e violenta, cometeram atrocidades.
Para completar o quadro, o filme ainda se apropria de uma história recente e minimamente irresponsável pra criar um "background" pro personagem de Góes, o que só antipatiza o mesmo para o público, e que suas atitudes dentro da narrativa ainda piorem seu desenho; ou seja, não há um mocinho para torcer. Uma ambiguidade que até poderia ser boa, mas o filme veste esse mesmo personagem de imagens ditas "positivadas", só contribuindo para um resultado do quadro geral ainda mais complicado e repleto de incongruências de muitas ordens.
Crítica da cobertura da 43ª Mostra de São Paulo
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