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Críticas

Cineplayers

O plot é mais interessante que o próprio filme, que por vezes se perde à maneira do seu personagem central.

5,0

Conclusão da trilogia iniciada com Nuvens Passageiras e prosseguida com Um Homem Sem Passado, esse Luzes na Escuridão encerra o ciclo de obras do diretor finlandês Aki Kaurismäki dedicado aos párias da sociedade moderna. As histórias e os personagens dos três filmes não se interrelacionam entre si, apenas concentram-se em figuras marginalizadas que sofrem uma inadequação dentro de um ambiente no qual não conseguem interagir com os seus pares, o que evoca a condição de uma grande parte de excluídos em geral de uma lógica social de mundo, no trabalho, na família e no amor.

O homem sem passado do filme anterior de Kaurismäki agora é um homem sem futuro e perdido entre as frustrações e carências do dia-a-dia. Koistinen trabalha de vigia noturno em um shopping center de Helsinque, há três anos, com o desejo em mente de abrir sua própria empresa de segurança. De poucas palavras e praticamente sem amigos, conversa apenas vez por outra com uma mulher no trailer onde costuma comer um lanche. Sua rotina e comportamento previsíveis o tornam presa fácil para um golpe perpretado por gângsteres da região, que utilizam uma loira misteriosa para enganar Koistinen e facilitá-los num assalto à joalheria do shopping.

A cidade para Koistinen é um imenso limbo, um lugar em que o personagem sobrevive à espera de uma oportunidade de concretizar desejos e sonhos secretos e irrealizáveis. Grande parte do filme mostra o protagonista nas minúcias da vida diária, nas idas e vindas de casa até o trabalho, o lanche no trailer, as tarefas domésticas, sempre no vazio de uma existência abnegada e desprovida de significados.

É o contraste entre a figura loura da mulher e a inexpressividade do personagem masculino que move o interesse do primeiro terço do filme. Embora a premissa possa sugerir a lembrança do cinema noir, a mulher que seduz Koistinen está longe de uma femme fatale fulgurante - seu comportamento é sempre gélido e sua presença é discreta como a de uma pessoa comum -, sendo o brilho reluzente que adquire aos olhos do protagonista o resultado de mais um equivoco das suas ilusões provocadas por um desejo de calor e contato humano.

A falta de vida do protagonista acaba contaminando o filme de Kaurismäki, que se dedica a esvaziar o personagem, retirando qualquer sentido (positivo ou negativo) que poderia carregar. Koistinen existe em cena apenas para simbolizar uma figura humana como a representação de um nada. Um pobre diabo que ao entrar em uma sala não sabe sequer o caminho de sair por a porta pela qual entrou. Os intérpretes começam e terminam o filme com uma expressão fixa no rosto e raramente alteram o estado e as reações de seus semblantes, ou demonstram quaisquer sinais de sentimentos exteriorizados. Até os movimentos corporais são econômicos, e os gestos, pouco freqüentes (a descrição pode fazer lembrar os personagens dos filmes de Bresson, mas Luzes na Escuridão em sua narrativa guarda mais pontos de contato, ainda que palidamente, com o cinema alemão dos anos setenta, sobretudo o de Wim Wenders). Para completar, os companheiros de trabalho de Koistinen aparecem no filme somente para zombar do protagonista, ridicularizando a sua incapacidade de conseguir sequer levar uma vida comum e trivial.

A inocência de Koistinen, que o leva a ser vítima de um pequeno golpe, é a responsável por ele perder tudo o que mal possui, como alguém que já não tenha mais uma individualidade, precisando a partir de então construir do zero uma existência nova. Koistinen se torna (ou sempre foi) simplesmente uma presença, um dado a mais no mundo em que se move. Nessa inadequação entre o personagem que não consegue interagir com elementos que são lhe são alheios e uma sociedade que o obriga a ter em algum grau um mínimo de relação com pessoas e instituições para a própria subsistência, Koistinen se transforma por completo no exemplo mais acabado do pária que costuma ser alvo de desprezo e crueldade. Ao mesmo tempo em que o próprio filme é um reflexo de sua palidez e graça (ou falta de), uma materialização do bom e do pior do que seu personagem é composto.

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