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Críticas

Cineplayers

Bergman questiona a existência de Deus nesse filme belíssimo de ótimos personagens.

8,0

Um pastor cristão, que atua em uma longínqua, diminuta e friorenta vila sueca, olha para Jesus Cristo pregado na cruz e comenta: “Que imagem ridícula!”. Trata-se de Luz de Inverno, de 1962, segunda e melhor parte da “Trilogia do silêncio”, que Ingmar Bergman fez tendo como tema o silêncio de Deus. O filme tem todas as características do cinema do diretor: longo planos focado no rosto dos atores, diálogos densos, atuações lancinantes e discussões existenciais. É de lascar.

Luz de inverno fala da perda da fé. Não só os fiéis sofrem com as hesitações do pároco descrente: sua amante também é massacrada com a desilusão da autoridade religiosa local, homem distante, incapaz de amar. Ela diz ao amante: “Nunca acreditei na sua fé, sempre a achei neurótica e obscurantista”. O pastor se culpa pelo suicídio de um humilde pescador, dilacerado pelo medo da guerra nuclear então em curso no mundo.

“Acreditar que Deus não existe faz a vida ter sentido. É um alívio! Dor e morte tornam-se coisas naturais”, diz o pastor ao recolher o corpo do ex-fiel que acabara de dor um tiro no ouvido. O pastor começou a se questionar depois da morte da mulher, a quem amava com força. Julga nunca mais encontrar alguém à altura.

Impecáveis, Gunnar Bjornstrand e a belíssima Ingrid Thulin fazem o casal de maneira soberba. Bergman baseou-se no clássico Diário de um Pároco de Aldeia, de Robert Bresson, para compor seu filme de apenas 80 minutos, com igual rigor cinematográfico do cineasta francês. Ambientou-o na paranóia que começou a crescer com a iminência da guerra nuclear. Deus, mais uma vez, parecia ausente frente à desgraça.

Cansado, sem ter o que falar aos fiéis, em especial em momentos de desespero - quando eles mais necessitam de ajuda –, o pastor vê sua igreja esvaziar até que, no final do filme, reza uma missa para ninguém, talvez porque reencontrou a fé ao conversar minutos antes com um deficiente físico que lhe disse ter Jesus Cristo sofrido mesmo foi de solidão, não por causa dos castigos físicos. Ou talvez tenho celebrado a missa só para si mesmo, para tentar se convencer, um ato reflexo. É impossível saber.

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