Saltar para o conteúdo

Luna

(Luna, 2018)
7,3
Média
3 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Um pássaro prestes a voar.

8,5
O susto da proximidade com Ferrugem se ameniza quando o diretor Cris Azzi começa a conjugar a complexidade de seu filme, que de fato está tematizado ao lado do longa de Aly Muritiba. Luna é uma experiência cheia de camadas e lugares onde percebemos claramente a possibilidade do erro a cada nova esquina. Pois ao contrário do que se imaginava ao ter a base da história, o filme pulsa poesia e juventude real, além da explosão de hormônios que uma paixão adolescente provoca invariavelmente. Da desconfiança gratuita até a certeza de estarmos diantes de uma obra acessível e ainda assim diferenciada passa pouco, mas o filme caminha e a cada novo clichê dramático distorcido, melhor o filme se desenha.

Cris Azzi estreia em longas de ficção em terreno pantanoso: um filme de temática universal, porém com ponto focal em personagens femininos. Assim como As Duas Irenes ano passado, Luna vence uma barreira que muitos cineastas não conseguem transpor, tematizando a mulher e seu desabrochar com competência, respeito, dignidade e acerto. Ainda mais arriscado que o filme de Fábio Meira, Azzi tem a modernidade das relações de hoje e o olhar para o interior da juventude como seus temas. Consegue como realizador e como roteirista desempenhar um belo papel tanto no que diz respeito ao universo feminino como também capturar um grito da idade por onde o filme percorre. Com poesia e extrema delicadeza, o diretor parece muito dedicado a ser cuidadoso com seu universo, e sai da tarefa com pontos de extremo brilho.

O filme parte de um símbolo reconhecível entre os orientais, e desconstrói o mesmo durante a produção. A imagem da floresta de árvores para onde os japoneses iriam se suicidar é onde está grafado o título do longa, e essa floresta retorna algumas vezes ao plano. Até ser ressignificada em sua última aparição, e adquirir em sua tradução um caráter vital, como a prover uma espécie de seiva da existência. Essa é apenas uma das muitas reconfigurações imagética e narrativas que o filme desconstrói, sem panfletagem, a partir da repetição que certos códigos são saturados na tela e o longa tenta modificar, quase sempre sendo bem sucedido. O filme arrisca nessa seara revisionista dos códigos e clichês que envolvem o corpo feminino, no tratamento dado a personagens, ao mesmo tempo que denuncia práticas repetitivas que precisam ser revistas por quem as comete.

O filme é centrado em Luana, uma adolescente menos abastada, que vende brigadeiro na escola para ajudar nas despesas, que conhece uma aluna nova de classe oposta a ela. Sem diálogos expositivos (aliás, o roteiro de Azzi é um acerto não apenas na reapropriação de esquematismos como também na manutenção dos diálogos, que conseguem ser ricos, coloquiais, nada óbvios e muito críveis, tudo ao mesmo tempo), o filme monta a nova realidade de Luana a partir da chegada de Emília, sempre com uma visão muito clara dos lugares possíveis onde ir, onde chegar e como inverter as expectativas do que é comum no cinema, de um grupo já tão desgastado pelos americanos há mais de 30 anos. É como se o filme apontasse um modelo padrão social e apresentado pela arte justamente para remodelar esse padrão a tendências não apenas novas, mas também palpáveis.

Aos poucos o filme vai ele mesmo criando vários momentos de mini antologia, como a primeira aparição e criação de Luna, o "ritual de iniciação" de Luana na noite (e o que exatamente vemos dessa noite), o 'poço dos desejos' - das cenas mais bonitas do filme - e a quantidade de cenas onde o clichê é quebrado, pra citar apenas duas a tentativa de aproximação em Luana após a piscina e a chegada de um elemento masculino a casa de Emília, a confrontar a protagonista. Protagonista essa que é um dos grandes acertos de construção do filme. Sem nunca ser vendida como vítima ou mocinha sem bagagem, a evolução de Luana se dá como personagem e como força dramática. Um passarinho indefeso que aos poucos se transmuta numa leoa selvagem, Luana absorve a força e o impulso de Luna para ser o feminino de hoje - humana e falível, inclusive. 

Comentários (0)

Faça login para comentar.