Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

O classicismo de Jeff Nichols.

7,5
Certas simetrias em diferentes momentos cercam o filme de Jeff Nichols, possuindo diferentes significantes, mas compondo uma rima: uma situação similar, porém totalmente diferente. Temos a confirmação narrativa: por mais tragédias que seus protagonistas enfrentem, ainda são as mesmas pessoas. Feridos, mas ainda íntegros.

O filme abre com um close de Mildred contando ao namorado Richard Loving que está grávida. O plano é longo, a representação transmite dúvida e insegurança e no momento que aprendemos a informação, conhecemos imageticamente seu outro protagonista.

O filme segue em seu primeiro e único conflito: em 1958, o casamento inter-racial era proibido na Virginia e por conta disso Richard e Mildred Loving são detidos, julgados e condenados a uma pena de 25 anos longe de suas casas. Em quase dez anos, quando tentam finalmente mover uma ação apoiados por um grupo de advogados ativistas contra o estado da Virginia, constituem uma família de três filhos ainda com a sensação de injustiça atravessada na garganta.

Praticando uma misé-en-scene clássica, Nichols sabe utilizar com sabedoria as ferramentas estéticas que têm a sua disposição: o filme, apesar de ser linear em seu conflito e por vezes ter bastante simplificação por parte do roteiro (os homens da lei - policiais e juízes que os antagonizam - são francamente e propositadamente unidimensionais) não pretende provocar lágrimas facilmente, portanto segue um ritmo próprio. Os closes não tem predileção acima da composição de quadro, longos planos que descrevem o movimento de seus atores, enquadrados a uma certa distância que conferem um ritmo e uma aproximação através da parcimônia narrativa e não da overdose sensorial na qual muitos diretores caem na armadilha.

Como já citado, evita-se o excesso de closes, assim como de música ou na direção dos atores. Não há flashbacks ou câmera lenta. Para Nichols, a situação não deve provocar empatia do público apenas através da empatia constante, mas através da compreensão de como aquele drama afeta os seus personagens também espacial e temporalmente.

Talvez seja por isso que o momento que seja o pico deste filme baseado em fatos reais - o caso Loving vs. Virginia, que tornou o casamento um direito inalienável e eliminou a proibição racista nos EUA - não necessite de uma grande preparação além da descrição de uma cena cotidiana. Ela começa como um recorte do dia a dia, é interrompida e novamente, mas sob outro contexto, a protagonista irá contar algo a seu cônjuge. Novamente, o pico da emoção está na preparação do que será dito.

O filme de Nichols tem seus problemas - para um drama sempre tão sério, o humor trazido pelo advogado Bernard Cohen nem sempre parece funcionar e talvez até mesmo por isso não tenha grande espaço na trama. Mas o diretor compensa seu roteiro nem sempre equilibrado nas bases sob os quais é fundado com um olhar preciso de onde colocar a câmera na hora de filmar a cena.

Com a Suprema Corte sempre sendo referenciada como algo especial, único, fora do cotidiano dos protagonistas, faz sentido a cena ser vista pelos olhos dos advogados - e jamais focalizar os representantes da instituição federal. Tal decisão centra ainda mais aos nossos olhos a força da narrativa naqueles personagens, o que só faz aumentar a impressão de sua concisão ao narrar uma história,  na preparação de um roteiro certeiro e enxuto. O que o título já exibe: é o sobrenome dos protagonistas e o verbo que sintetiza a tônica da história. Loving é um filme sobre o amor e o que os protagonistas farão para defendê-lo, não importa o tamanho da humilhação, a quantidade de olhares, indiretas, conversas à boca pequena e atos extremos.

O fascínio pelo clássico certamente reflete na criação dos personagens: gente grande e simples, enormes em sua força justamente por serem simples. Mudaram a história para poderem viver suas vidas. Uma vez que a representação do cinema da “Era de Ouro” dos EUA tinha sua predileção por personagens que sintetizassem os arquétipos e períodos, enalteciam-se fatos ao mesmo tempo que valores. Ao enquadrar o fato (a derrubada de uma lei racista) pelo prisma dos valores  (os trágicos porém determinados protagonistas) temos o convite de Nichols a partilhar uma visão de Sul americano bastante particular, construindo e conduzindo o seu recorte do período que destacou sua carreira de outras tantas em seu país, e Loving é outro passo acertado rumo à maturidade artística.

Comentários (0)

Faça login para comentar.