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Lodo, O

(O Lodo, 2020)
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Críticas

Cineplayers

Surrealismo com o pé no freio

4,5

O diretor Helvécio Ratton no palco de Tiradentes puxou uma certa comparação do autor de seu filme O Lodo, Murilo Rubião, com Kafka, ressaltando as características surrealistas da obra de um para espelhar a do outro. Completamente compreensível a associação, o filme bem lentamente busca uma espiral de enganos, maus entendidos, que geram consequências imprevisíveis para o protagonista, que se vê envolvido em uma rede indissociável de eventos esdrúxulos impossíveis de serem desfeitos.

O protagonista Manfredo é um homem que se encontra desligado da rotina. Sem ânimo pra trabalhar ou mesmo encontrar a amante, decide ir a um psiquiatra, mas não concorda com os métodos da terapia e vai embora prometendo não voltar. Mas a partir desse evento, ele desencadeia uma relação absurda com o médico, que passa a persegui-lo sem descanso para concluir o tratamento, e essa mecânica desemboca em situações cada vez menos convencionais chegando às raias do desespero.

Apesar do entrecho interessante, o filme parte de uma situação que injustificada, não fazendo o menor sentido ou tendo qualquer reverberação à melancolia inicial do protagonista, aparentemente um gatilho sem amarras para justificar o início do plot. Essa situação é simplesmente um subterfúgio para endossar uma trama e que se repete no filme. A construção dramática do todo também se fragiliza porque falta a urgência que Kafka imprimia a suas narrativas, e que não são muito bem compreendidas aqui no que concerne até a uma lógica própria.

O elenco, formado por grande parte do Grupo Galpão de Teatro, é evidentemente talentoso, mas não tem muito o que fazer com a estrutura dramática apresentada. Com profissionais tão superlativos à disposição e pretendendo avançar no terreno do absurdo, Ratton provavelmente perdeu a oportunidade de aumentar os tons de seu filme e abraçar a farsa para antes do seu terço final, onde já é tarde para se conectar e validar as tentativas de rechear o longa com um tempero mais forte; faltou também timing pra compreender as necessidades de um projeto de risco como esse.

Sem dúvidas, há validade na tentativa de criar um universo narrativo com essas intenções e pulsões, um quadro surrealista diante do estado das coisas do país é mesmo um achado. Mas sem um ritmo que cadencie a ação e construa a necessária atmosfera pra tal empreendimento, restam cenas bem dirigidas e atuadas sem uma urgência típica da proposta. Ratton é um veterano geralmente ligado a uma certa formalidade que repete suas características primitivas aqui, onde o filme definitivamente não as pedia. Ao final, valeu a tentativa para um cinema que precisa de mais ferocidade pra se justificar.

Crítica da cobertura da 23ª Mostra de Tiradentes

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