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Críticas

Cineplayers

O talento de Ben Affleck como realizador à mostra mais uma vez em um belo, porém incompleto, filme de gângster.

7,0
A essa altura, tendo comandado três filmes muito bem recebidos pela crítica e possuindo dois Oscars na estante (um como diretor e outro como roteirista), não é mais novidade afirmar que o trabalho de Ben Affleck atrás das câmeras é imensamente superior àquele apresentado em frente a elas. Adepto de um estilo clássico, elegante, que deixa de lado afetações estilísticas para valorizar um tom mais natural, o Affleck diretor solidifica, a cada novo trabalho, seu nome entre os cineastas mais interessantes de Hollywood, mesmo quando o esforço não atinge todos os resultados pretendidos. É o caso, por exemplo, de Atração Perigosa (The Town, 2010), o nome mais problemático de sua filmografia, e A Lei da Noite (Live by Night, 2016), seu mais recente trabalho.

Baseado em um romance de Denis Lehane (é a segunda vez que Affleck usa o autor como base; haviam colaborado anteriormente no ótimo Medo da Verdade [Gone Baby Gone, 2017]), A Lei da Noite é um exercício de gênero visualmente impressionante e sempre agradável de ser assistido, embora jamais convença como estudo de personagem ou em sua tentativa de refletir sobre a moralidade corrupta do american dream. Assim, ainda que claramente tenha o objetivo de figurar no panteão ao lado de grandes clássicos sobre o mundo do crime, o filme de Affleck funciona apenas na superfície, revelando-se incapaz de alcançar a densidade psicológica de O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), O Pagamento Final (Carlito’s Way, 1993) ou até mesmo de uma série como Boardwalk Empire. 

Curiosamente, o maior responsável por isso é o próprio Affleck. Se hoje é respeitado um diretor de talento, o astro segue um ator bastante limitado, incapaz de transmitir à plateia a angústia existencial de seus personagens. Dessa forma, sempre que o filme tenta acrescentar complexidade a Joe Coughlin, pintando-o como um homem justo e pacífico preso a uma vida em que a violência é, mais do que comum, necessária, o resultado é insatisfatório. Isso se deve, sim, à inexpressividade de Affleck como ator, mas também ao roteiro (igualmente escrito por ele), que leva os protagonistas a agirem de acordo com as necessidades da trama, e não de forma coerente às suas personalidades – Coughlin, por exemplo, deixa facilmente de lado sua decisão de não matar assim que sai da prisão, em uma mudança de atitude que ocorre quase sem motivo e acaba por soar falsa ao espectador.

Esse, no entanto, não é o único problema do texto de Affleck. Além de momentos bastante questionáveis (Coughlin saindo com a mulher do mafioso mais poderoso da cidade e levando-a para jantar em um lugar público?), o roteiro ainda se revela previsível em algumas de suas soluções (como a suposta morte de um personagem) e jamais desenvolve a fundo os temas propostos, como é o caso da crítica à religião ou da aceitação que aquelas pessoas têm sobre a vida que escolheram – uma percepção que justifica o título original e é muito melhor trabalhada no livro. Como se não bastasse, Affleck não sabe como encerrar sua história, apostando em um epílogo inflado e que parece pertencer a outro filme, em função de sua abrupta mudança de tom.

Mas, se Ben Affleck é o principal problema de A Lei da Noite, também é a sua grande qualidade. Cada vez mais seguro como no comando de uma grande produção, o diretor cria um filme visualmente deslumbrante, com recriação de época impecável e um trabalho de luzes e sombras que reflete de maneira precisa o caráter dúbio dos personagens – algo que é comum ao gênero, mas não deixa de ser digno de mérito quando bem realizado. Ainda mais importante do que isso é a sobriedade do estilo de Affleck, que se recusa a apelar ao incômodo excesso de cortes tão presente em esforços de jovens cineastas, optando por planos longos, sem grandes afetações, mesmo mantendo a câmera em constante movimento (mas uma movimentação elegante, não trepidante). O resultado é um filme ágil, dinâmico, que apresenta cenas prazerosas de serem acompanhadas em função de sua mise en scène rígida e muito bem orquestrada – e as duas grandes cenas de ação de A Lei da Noite, a perseguição de carros e o tiroteio no hotel, são excelentes exemplos disso.

Ao mesmo tempo, e tão importante quanto, é a compreensão que Affleck tem sobre o filme que está realizando. Consciente de que a violência é parte fundamental não apenas da existência daqueles personagens como também da mensagem que a história pretende passar (mesmo que falhe nesse objetivo, como já comentado), o cineasta não foge do sangue e da brutalidade. No entanto, ainda que crua, inesperada e seca, a violência em A Lei da Noite é, de certo modo, elegante, como uma extensão da vida daquelas pessoas. Essa elegância, aliás, que salta aos olhos em cada plano do filme, também pode ser percebida nos diálogos inteligentes – conquanto talvez inteligentes demais, já que raramente soam verdadeiros.

Mas essa é a inconstância de A Lei da Noite, uma produção bonita, clássica e atraente, mas que parece sempre artificial. Se funciona maravilhosamente bem como filme de gênero, falha na tentativa de ser um estudo de personagem ou um conto moral. O resultado do novo trabalho de Ben Affleck está longe de ser ruim; mas é, no mínimo, incompleto.

Comentários (2)

Ravel Macedo | quarta-feira, 19 de Julho de 2017 - 17:14

Nunca gostei muito do cinema de Affleck, mas esse aqui ele se supera. A primeira hora é uma enrolação, desfile de personagens superficiais, a impressão é que ele queria mapear a história com os tipos típicos do gênero, o que não é um defeito, mas a direção só consegue entregá-los de modo limitado - Affleck atuando ajuda muito nesse problema.

Fica interessante la pra segunda metade quando o personagem passa a transitar por diversos meio e o filme lança olhar sobre a institucionalização dos mais diversos organismos da sociedade, estando tudo concatenado em prol de uma máfia generalizada.

Mas ainda assim, filme bem limitado.

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