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Críticas

Cineplayers

Entre as certezas, um toque sobrenatural.

8,0
"As relações humanas não se tecem com toda segurança, elas se entrelaçam sobre o vazio, por um fio e sem rede. Cair entre as malhas, experimentar uma passagem pelo vazio, é morrer, morrer de um mal encontro". – Serge Daney, sobre Milestones de Robert Kramer e John Douglas, em A Rampa.

Lamparina da Aurora é um filme de lacunas. Lacunas nas relações, os vazios e crises preenchidas por uma nova abordagem para o sobrenatural na filmografia de Frederico Machado, realizador de O Exercício do Caos e O Signo das Tetas. E se a relação de três corpos em um lugar de dualidades necessita de um entrelaçamento, o horror é o caminho de análise. Uma análise ecumênica do homem, guiada pela culpa cristã, o existencialismo e a simples relação homem-espaço.

O tempo (ou não-tempo) de Lamparina da Aurora é o norte de citações à infância, do início e também da morte, do fim. Entre elas, o desespero, o desejo da morte – o supracitado suicídio como patogenia -, a violência, uma eterna e agonizante apatia que os planos guardam. Planos estes que, amparados pelo gênero, possibilitam uma força descomunal nestas ausências – de ação, de palavra, da simbologia.
 
O campo de Lamparina da Aurora é o da comunicação pelo mesmo código, no mesmo sentido, numa aposta de associação de desejo impregnado a todos – afinal, quem nasce, morre. Desta simples linha, Frederico Machado tece um mundo de possibilidades para toda inexatidão do ser humano entre o nascer e o morrer, as únicas certezas aqui “palpáveis”, com impressionante capacidade de síntese. É, também, um filme que não se censura sobre tradição narrativa – ora próximo ao cinema brasileiro contemporâneo, ora próximo dos poucos dramas rurais que o nosso cinema ofereceu nos anos 90 -, um misto de bravura contra o inalcançável e ode ao espaço. 

É um terreno já visitado tantas vezes – a poesia sobre a morte com certo preciosismo – que faz da complexidade a saída imposta. Não haverá angústia maior que estar perto da grande vilã de Bergman. Um paradoxo involuntário, mais instintivo e que transforma os personagens, sempre lembrados que são corpos (carne) em representantes da vilania (a alma, o espírito), do pecado da existência.
 
É o caso de exibir o gênero em plena subversão, o filme de terror que transforma a sobrevivência em grande torturadora. À atmosfera, esta sim, cabe o diálogo direto com o protocolo como uma grande dicotomia. Lamparina da Aurora reserva as funções de apresentação, mediação e julgamento destes personagens, mas os entrega a mecanismos diferentes; a faca afiada que os deita vem em forma de palavra, de constatação. A mesma de quem se entrega ao vazio, que permite que a Terra o engula, que assume que a força, em muitos momentos, acaba. 

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