7,5
O estreante William Oldroyd não puxou para si uma tarefa fácil. Baseado na obra do clássico russo Lady Macbeth de Mtsensk de Nikolai Lenskov, o rapaz teria pra si o enfrentamento de uma versão de 62 do livro dirigido simplesmente por Andrzej Wajda (que por coincidência entrega seu último no mesmo fim de semana, o biográfico Afterimage). Como se não bastasse a dificuldade em observar um clássico, Oldroyd tinha dois no seu caminho. Mesmo sem conhecimento do longa de Wajda, a análise em cima exclusivamente do novo filme consegue média bem positiva. Produção inglesa por excelência, o longa percorre as matizes do cinema local através de uma franqueza imagética típica e muito bem-vinda, aqui particularmente. O filme tem uma postura muito sóbria, discreta e ao mesmo tempo direta com o que está contando, então não tem informação escamoteada pela produção; é tudo claro e sem firulas ou invencionices estéticas, pelo contrário, a história é contada sem rodeios.
Oldroyd é um britânico que escolheu ambientar seu filme na zona rural de seu país, e seu olhar se ateve a uma ambientação sem maiores requintes - a propriedade que serve de locação é ocre, fechada, sem objetos cênicos e sem grandes espaços internos, tudo parece acanhado e triste. O exterior tem planos enfim abertos, sempre com muito vento ou água, talvez simbolizando uma liberdade e uma facilidade de adaptação que não estão presentes nem entre quatro paredes nem no interior de seus personagens. Com uma fotografia que valoriza os rostos e os corpos (como numa cena onde uma espécie de tortura sexual um grupo de homens acomete uma mulher em situação servil), o diretor constrói um filme onde apenas o desejo sexual liberta a realidade opressora de todos os personagens, que se não sucumbem a ele, sucumbem à impetuosidade da vida.
Na trama (cujo título já no original literário traça um paralelo entre sua protagonista e a esposa de um certo rei de Shakespeare), Katherine foi negociada em casamento por sua família a um homem de posses, que a toma pra si já na abertura do filme que mostra a prévia do ritual do matrimônio, e só ele. Isso vai já a 1865 e seu marido é Alexander Lester, que a leva para sua propriedade como um dono. E é assim que a trata: com rigor, distância e quase desdém, mas também sem qualquer carinho. Ao viajar, Alexander deixa Katherine na companhia do pai e dos empregados, e entre eles surge Sebastian - e ele não demora 5 minutos de projeção para investir contra sua patroa, e o caso que nasce entre eles não tem qualquer caráter secreto na casa, o que levará a empregada Anna a testemunhar e fazer parte de uma relação de paixão e doença. Oldroyd comanda o roteiro de Alice Birch com muita elegância e entrega, injetando energia a um ambiente sem vida. À força dos possantes e ríspidos dialogos do texto, além das situações cada vez mais impactantes, ele responde com secura na sua mise-en-scene.
O elenco é um capítulo a parte, e o filme possui um núcleo de cinco atores impecáveis. Paul Hilton e Christopher Fairbank são Alexander e seu pai, dois homens duros com uma certa distinção. Alexander fala bem pouco, enquanto seu pai tem muito mais texto. Essa diferença entre eles aponta para uma discrepância familiar sutil e tratada pelo roteiro sem alarde, afastando-os de alguma forma e aproximando-se em suas amarguras. Naomi Ackie faz de sua Anna um manancial de fragilidades, uma criatura prestes a despencar, com seu olhar cada vez mais perdido e vazio, numa composição muito complexa e rica. Cosmo Jarvis tem o porte rústico necessário ao personagem, que vai se enredando em muito mais que paixão durante a trama, para se ver devastado nos momentos finais. Mas é muito claro que Lady Macbeth gira em torno de sua intérprete, a incrível Florence Pugh. Levando em consideração que o sucesso do filme dependia de seu desempenho, a jovem inglesa no primeiro close antes do título do filme já impressiona. Com roteiro e direção prontos a servi-la, o projeto seria um compêndio para qualquer jovem atriz. Pugh desenvolve cada virada dramática da personagem toda no rosto, olhar, fala, vem tudo de cima, e alcança resultados invejáveis a qualquer atriz. Precisamente a uma jovem atriz, fica o desafio de alcançar esse patamar de maturidade que muitas não tem, só encontrando eco no igualmente formidável momento de Elisabeth Olsen em Martha Marcy May Marlene.
Um dos grandes estudos de personagem do ano, a força dramática de uma personagem tão multifacetada e arriscada não tiram a pujança dessa tragédia das relações humanas, onde as pessoas chegam a qualquer lugar a procura de paz, seja ela qual for. Ainda que o filme desenhe muito bem seus personagens e os calce de imensa humanidade, Oldroyd não consegue desviar de uma formalidade por vezes excessiva e até ligeiramente repetitiva, em focos e planos. Um arranhão que claramente foi escolhido pela direção, que sabia ter em mãos um grande material e conseguiu investir nos acertos infindáveis de roteiro e elenco, e no amálgama precioso que veio dessa fusão. Talvez a observação desse combo tenha acanhado Oldroyd, ou talvez sua intenção real era de fato ser o menos intrusivo possível. Já com um holofote em cima de si, uma estreia em longas vigorosa e que constrói um autor que pode dar trabalho no futuro.
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