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La La Land - Cantando Estações

(La La Land, 2016)
7,7
Média
446 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

This is the dream!

8,5
Se para muitos o cinema é uma fuga da realidade, um encontro com o sonho materializado, o papel da sétima arte vem sendo, ao longo dos anos, o de se aprimorar cada vez mais em nos transportar para fora do mundo real, nos convencer, nem que apenas por alguns momentos, que estamos de fato ali – do outro lado da tela. Para isso, o cinema moderno recorre a efeitos cada vez mais realistas, técnicas e tecnologias cada vez mais avançadas em tornar o imaginário real, mas inverte a lógica de nos transportar para o sonho e, ao invés disso, o dissipa dentro de um realismo implacável. Existe o ilusionismo, mas não existe mais a ilusão; existe o escape, mas não existe mais o imaginário; existe o cinema, mas nem sempre existe o sonho.

Resgatar o cinema em sua nobre e singela função de simplesmente escapar do real é o que o diretor Damien Chazelle faz em La La Land - Cantando Estações (La La Land, 2016). Para isso, ele recorre ao saudoso musical – o mais fugaz gênero cinematográfico. Não há uma única passagem, desde a abertura anunciando um nostálgico formato em cinemascope, que não remonte os pilares e cacoetes do gênero que foi febre na Velha Hollywood entre os anos 1930 e 1950 e que foi ao longo dos anos minguando e virando artigo de luxo, ferramenta de fácil apelo nostálgico em filmes deslocados aqui e ali. Mas se dentro daquele contexto de Grande Depressão e pós Segunda Guerra o musical era um necessário escape da realidade global, agora em La La Land ele existe apenas pela magia de ser mentira, de ser um sonho bom, de ser cinema e existir apenas em função disso. 

O apanhado geral de Chazelle vai das formas até os conceitos, dos temas até a linguagem dos musicais antigos que encantam a memória coletiva dos cinéfilos saudosos, que dificilmente passarão imunes ao seu espetáculo de cores, luzes, coreografias e danças. Primeiro ele aplica o conceito técnico de Busby Berkeley, em que a câmera é incluída como parte da coreografia e literalmente dança junto com o elenco no embalo das canções, através de uma noção de espaço avantajada e ampliada por ângulos inusitados, movimentos ritmados e sintonia com a melodia, permitindo que a música em si seja o principal fio narrativo. Depois, assim como o mestre Vincente Minnelli, Chazelle permite aos personagens extravasarem seus sentimentos por meio da música e da dança, e somente por ela. Embora haja muitas passagens dialogadas, são nos números musicais que realmente descobrimos os sonhos, as dores, os desejos, os temores e os traços de personalidade de Sebastian (Ryan Gosling) e Mia (Emma Stone), o casal apaixonado que tenta ascender no mundo do show business, ele como músico e ela como atriz. 

Tal como no musical de Michael Curtiz estrelado por Doris Day, Meus Sonhos Te Pertencem (My Dream is Yours, 1949), temos o plot do casal de artistas que tentam conciliar o sonho do sucesso com o sonho da vida a dois, o que acarreta um tempero amargo em meio ao caos luminoso e otimista próprio do gênero, e potencializa a história de amor com seus ares trágicos de iminente separação. Nos poucos momentos em que La La Land se permite sair do sonho e resvalar na realidade, tudo ganha um tom amargo e tristonho que pontua as nuances do casal central, muito bem defendido por Gosling e Stone. São essas baixas que vez por outra nos lembram de que estamos num sonho, de que a realidade se acerca, e esse alarmismo só reforça o sentimento de ternura e acalento quando o filme imerge de novo na música e no escape. No mais, qualquer um poderá perceber as referências a clássicos como Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain, 1952), Melodia da Broadway (Broadway Melody, 1929), Sinfonia de Paris (An American in Paris, 1951), Casablanca (idem, 1942), Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955), A Roda da Fortuna (The Band Wagon, 1953), O Picolino (Top Hat, 1935) e até mesmo os franceses O Balão Vermelho (Le Ballon Rouge, 1956), Os Guarda-Chuvas do Amor (Les Parapluies  de Cherbourg, 1964) e Duas Garotas Românticas (Les Demoiselles de Rochefort, 1967). 

Mas, acima de tudo, La La Land se supera por entender que o musical é uma celebração do imaginário sobre o real. Qualquer elemento real, por mais banal que seja, num musical pode ser incorporado ao balé sem fim de uma coreografia infinita. Naquela Los Angeles dos sonhos e das desilusões, dos ícones e dos infinitos outdoors de estrelas do mundo do cinema (a tal city of stars da belíssima canção principal), as ruas, o trânsito, os parques, os cortiços, as salas de cinema – tudo é um palco para quem tem a desenvoltura para cantar e dançar. O sonho, a todo momento, se sobrepõe à realidade, de modo que o diretor não economiza em lindas sequências musicais pontuadas por danças flutuantes à lá Fred Asteire e Ginger Rogers, ou declarações de amor escancaradas, emoções refletidas nas estações do ano, estouros dramáticos e qualquer outra manifestação assumidamente explícita de sentimentos. É um filme que o tempo todo expõe seus artifícios, revela seus mecanismos de ilusão, suas estruturas cênicas, assume sua total alienação do real e não se envergonha disso (o uso de fade in e fade out à maneira de Jacques Demy em algumas passagens é uma das mais charmosas sacadas). 

Nesse meio, a história de amor é um mero detalhe, o casal é apenas um casal, e o importante são os arredores, o importante é a música, a narrativa para se chegar até eles. Amar nesse tipo de cinema é fácil, é como um sonho, onde tudo acontece nos conformes das nossas vontades e no ritmo das batidas de um coração apaixonado. Tudo é pretexto para que o sonho exista, para que a magia funcione, para que a realidade se atenue e para que o cinema exista em sua mais grandiosa e singela forma. Sem a pretensão ou o peso de uma suposta obrigação de reavivar o gênero ou subvertê-lo e atualizá-lo, La La Land se sustenta apenas como homenagem, apenas como uma simples e boa ilusão, apenas como bom e velho cinema.

Comentários (8)

Abdias Terceiro | segunda-feira, 16 de Janeiro de 2017 - 02:13

Que delícia de crítica.

Alan Nina | sexta-feira, 03 de Fevereiro de 2017 - 00:35

Belíssima crítica! Parabéns!

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