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Críticas

Cineplayers

Cinema, família e sociedade.

8,0

Se hoje a sociedade enxerga com naturalidade – pelo menos, com maior tolerância – a “inversão de papéis” do homem e da mulher perante o meio em que vivem e no próprio microcosmo familiar, isso se deve a um gradual processo de amadurecimento moral dos indivíduos que a compõem. Agora é comum vermos mulheres assumindo a posição outrora vista como sendo exclusiva de seu companheiro, e vice-versa, em função dessa ruptura nos padrões antes estabelecidos. Com isso, acontece uma importantíssima alteração dentro do âmago social e naquela que é, entre outras coisas, sua célula principal: a família.
 
A partir desse ponto extrai-se a necessidade de um filme como Kramer vs. Kramer (idem, 1979) para a conscientização das massas – no que concerne, especialmente, a sociedade no fim dos anos 70. Mesmo que estruturalmente simplório e sem lampejos de genialidade, a obra escrita e dirigida por Robert Benton consegue dialogar com o espectador sobre essas mudanças, mostrando como elas se estabilizaram no retrato familiar. Isso é evidenciado através da figura inicialmente intolerante do personagem interpretado por Dustin Hoffman, que, incapaz de ouvir os anseios e aflições de sua esposa infeliz, se vê completamente desorientado quando ela lhe abandona, deixando sob seus cuidados o filho pequeno e os deveres básicos do lar.
 
Ted Kramer é um homem compenetrado no trabalho que, exclusivamente preocupado em pôr alimento na mesa, esquece de demonstrar seu amor através de um gesto ou uma palavra. O desgaste no matrimônio se dá pelo patriarca ser dono de pensamentos arcaicos, encarando as ambições profissionais da mulher como infantilidade. Ele pensa (e age) de acordo com o meio em que vive, inviabilizando os pedidos de sua parceira em trabalhar para lhe auxiliar no sustento da casa. É claro que, se comparada às décadas anteriores, a sociedade americana dos anos 1970 se mostrava muito mais aberta em relação às mudanças, embora estivesse ainda galgando um posto de permissividade considerável. Mas essa não é a única discussão presente em Kramer vs. Kramer – e tampouco seu eixo principal. O centro da narrativa está na observação do convívio e interação entre os componentes da supracitada célula principal da sociedade.
 
Com isso, temos o pai, a mãe e o filho; um retrato que é rapidamente quebrado com a partida de um deles, assim como é quebrada também a personalidade que estes apresentaram de início, como se tal evento houvesse despertado suas consciências para abandonarem aquelas posições que assumiram durante anos de convivência, e, eventualmente, se adaptarem a uma nova realidade. Como exemplo disso, o pai que abandona o estereótipo do homem excessivamente ligado ao trabalho para dar mais atenção às pequenas coisas da vida (como ensinar seu garoto a andar de bicicleta), percebendo o quão fundamentais estas são em sua formação como ser humano. Esse também é o caso da mãe, que deixa para trás as tarefas da casa para dar vez à sua pessoa, num modo inconsciente de pensar que a melhora de seu estado atual será favorável também à sua família (e Meryl Streep capta as nuances dessa situação a qual sua personagem é submetida e compõe um trabalho sensível durante seus momentos em cena). Por último, o filho, que, acostumado à relação “estável” de seu lar, tem agora de atravessar um estágio difícil ao deixar de contar com os cuidados de sua mãe e passar a ajudar seu pai tanto na administração da casa quando em sua própria criação – e é justamente a reciprocidade desse relacionamento que torna o trabalho tão doce e facilmente identificável.
 
Chegamos então a um terceiro ângulo do filme: a separação vista pelos olhos da criança. Billy representa toda a confusão, o caos e a dificuldade de um filho em ver seus pais seguindo caminhos opostos, enquanto ele está lá, diante de uma bifurcação. É possível sentir o transtorno do garoto através de seus olhares tristes, de seus problemas iniciais de adaptação e de suas incertezas demonstradas em certos diálogos que mantém com seu pai (“Não vai mais me dar beijo de boa noite?”, questiona). O momento de abalo se intensifica quando a situação adentra os tribunais, onde a mãe retorna disposta a ter seu menino ao lado, e com isso sucede um embate entre os personagens Streep e Hoffman pela guarda judicial de Billy – iniciando também a entrega da trama à catarse. Nesse aspecto em particular o filme não trai a vida real, ao mostrar que a situação é dolorosa tanto para a criança disputada quanto para os próprios pais que, aqui, para vencerem a batalha travada na corte, expõem impiedosamente as falhas um do outro visando adquirir vantagem perante o juiz.
  
A discussão proposta por Robert Benton funcionou para oferecer aos espectadores um ponto de vista ainda mais objetivo sobre a aquela nítida mudança no seio social: através de um homem que passou a aceitar a quebra de seu padrão familiar, extraindo disso a oportunidade que estava desperdiçando à medida que seu filho crescia e ele não estava lá para acompanhar seus passos. Por isso Ted Kramer é um personagem tão complexo (qualidade essa que também dependeu da atuação sutil e orgânica do ator); por isso trata-se de uma produção tão cativante; por isso foi laureado, entre outras premiações, com o troféu máximo da Academia – mesmo desagradando a tantos por sua simplicidade que diziam não fazer frente à qualidade de seus concorrentes; por isso Kramer vs. Kramer foi um filme ideal em um momento ideal.

Comentários (5)

Paco Picopiedra | quarta-feira, 15 de Fevereiro de 2012 - 10:24

Seinfeld vs. Seinfeld 😏
Quadradinho demais [2]

Douglas Braga | quarta-feira, 15 de Fevereiro de 2012 - 15:44

É um filme bonito, e só.

E é óbvi oque o Oscar naquele ano tinha que ter ido para o Peter Sellers.

Eduardo Laviano | sexta-feira, 02 de Março de 2012 - 21:01

É um bonito retrato sobre a importância da família, e de o quanto coragem sem sabedoria é o mesmo que nada. Um ótimo filme! Acho que Meryl Streep está excepcional! A atuação de Dustin e a direção de Robert estão boas. Não incríveis.
😉

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