Sensível e dono de belas cenas, além de ser bastante divertido, Juno é um programão.
Retratar o universo adolescente sempre foi uma constante no cinema norte-americano. Desde que George Lucas abriu caminho com Loucuras de Verão, este filão transformou-se em praticamente um subgênero, especialmente após John Hughes ter marcado época nos anos 80 com obras como O Clube dos Cinco. Na década seguinte, os filmes adolescentes brotaram como gremlins em dias de chuva, atingindo o limite do insuportável, com historinhas ridículas e atores fracos. Felizmente, um gênero batido pode oferecer coisas novas quando pessoas de talento estão envolvidas. Foi o caso do recente Superbad – É Hoje e do premiado Juno.
Escrito por Diablo Cody (uma ex-stripper que virou best seller que virou roteirista), Juno apresenta uma garota de 16 anos que se vê diante de uma gravidez indesejada após uma noite com o melhor amigo. Certa de que não tem capacidade de ser mãe, decide dar o bebê para a adoção, com o apoio do pai e da madrasta, e escolhe um casal bem-sucedido para a tarefa. À medida que o tempo passa, novos obstáculos e conflitos vão surgindo e Juno precisa crescer para conseguir lidar com eles.
À leitura desta sinopse, Juno pode parecer apenas mais um filme adolescente, repleto de lugares-comum e um casal de protagonistas bonitinho e sem talento. Esta, porém, é apenas a embalagem. Em sua essência, Juno é uma produção muito bem escrita, dirigida e interpretada. Ainda que possua sua parcela de falhas, o filme tem a capacidade de combinar com talento inteligência e sensibilidade ao tratar de um tema difícil e delicado.
São dois os fatores principais que garantem o sucesso e a qualidade de Juno. O primeiro deles é o roteiro. Evitando ao máximo resvalar no lugar-comum, Diablo Cody apresenta um texto com ótimos diálogos e personagens surpreendentes, além de deixar de lado qualquer lição de moral. Os clichês do gênero, como os valentões e o desejo de ser popular, não aparecem em lugar algum de Juno, o que é uma bênção para os espectadores. Além disso, nem Cody nem o diretor Reitman tratam o material como o filme definitivo sobre a adolescência, preferindo mostrar como este acontecimento influencia no crescimento de uma única garota.
E o tratamento dado para a Juno personagem é extremamente hábil. Ao contrário do que acontece na grande maioria das produções do gênero, Juno não se encaixa em qualquer estereótipo. Ela é nerd, é descolada e é popular ao mesmo tempo. É melhor amiga de uma cheerleader e teve um relacionamento com um rapaz que nem de longe lembra o capitão do time da escola. Apesar de toda a segurança que insiste em transmitir, Juno é, no fundo, uma garota que ainda não se encontrou, condição que fica clara quando responde ao seu pai: “Não sei que tipo de garota eu sou”.
É exatamente aí que entra o segundo grande trunfo de Juno: Ellen Page. Apresentada ao mundo no interessante e pouco visto Menina Má.com, Page assume Juno com muito talento, combinando uma doçura irresistível com profundidade pouco vista em intérpretes de sua idade. Em meio às insistentes tentativas de demonstrar maturidade, a Juno de Page passa um constante sentimento de vulnerabilidade, como se as respostas espertinhas fossem unicamente uma forma de mascarar a indefinição de sua vida.
Neste sentido, Page também ajuda a corrigir um dos principais defeitos do roteiro – ainda que, paradoxalmente, também seja uma de suas qualidades. Os diálogos escritos por Cody são uma mistura de Kevin Smith com Quentin Tarantino, repletos de referências ao mundo pop e sacadinhas engraçadas. Por mais que sempre seja bom ouvir conversas inteligentes, não há como negar que, em Juno, alguns deles são forçados, trazendo uma artificialidade ao filme. Aí entra, novamente, o talento de Page, que consegue transmitir veracidade mesmo nos momentos de excessos do texto.
O mesmo vale para o restante do elenco. Michael Cera interpreta Paul Bleeker como um garoto tímido, mas adorável, cuja devoção à Juno transparece sempre que dividem a cena. Jason Bateman, no papel do pai adotivo, demonstra a fragilidade emocional de seu personagem, que encontra em Juno a companhia que não tem em sua mulher. Mas a verdadeira surpresa fica mesmo por conta de Jennifer Garner, que, de forma extremamente sensível e sutil, compõe Vanessa como uma mulher disposta a preencher um vazio em sua vida. Há dois momentos em que o filme brilha única e exclusivamente graças à atuação de Garner: seu choro contido após a primeira visita de Juno e a cena na qual sente o bebê chutando.
Mas há problemas em Juno. Além da já citada tentativa de colocar uma piada em cada frase, o texto de Cody erra ao tratar de maneira superficial o relacionamento entre Juno e Bleeker. Ainda que a platéia goste e se importe com os personagens, pouco é oferecido no sentido de justificar um sentimento maior entre eles. Desta forma, quando Juno se abre para o amigo, a audiência não consegue compreender o que levou a este ponto, tornando a cena emocionalmente estéril.
Dirigido com sensibilidade por Jason Reitman, que cria belas cenas como a de Bleeker deitando ao lado de Juno na cama do hospital e o final, Juno é um leve frescor de originalidade em um gênero inerte de idéias. Apesar de tentar ser mais do que é em diversos momentos, o filme desperta risadas e consegue emocionar sem apelar para o melodrama, além de trazer uma trilha sonora deliciosa. Não é a melhor produção do ano e nem mesmo a melhor em cartaz, mas possui diversas qualidades, entre elas a comprovação do talento de uma jovem e adorável estrela.
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