Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Ideologias devoradas.

7,0

É comum associar o mito do zumbi insaciável, se arrastando por aí faminto por carne humana, como uma metáfora ao consumismo e excessos desenfreados do estilo capitalista. É a tônica que predomina tanto em Despertar dos Mortos (Dawn of The Dead, 1978), clássico absoluto de George A. Romero, onde até depois de morto, continua-se frequentando o shopping, quanto em Zumbi 3 (Non Si deve profanare il sonno dei morti, 1974), onde os zumbis eram frutos da devastação perpetrada contra o meio-ambiente ou mesmo na comédia Todo Mundo Quase Morto (Shaun of The Dead, 2004), onde todos são zumbis no literal sentido da palavra – anestesiados e alienados por trabalho, entretenimento barato, fome e instintos primários.

Mas o Juan dos Mortos do diretor Alejandro Brugués quebra essa tradição. Filme barato, grosseiro e apelativo no melhor dos sentidos, o primo caribenho de Shaun vê Cuba ser tomada por zumbis e logo ele e seus amigos – um cômico grupo de desajustados, folgados e atrapalhados à la Brancaleone – têm que sair no braço com o regime, com o capitalismo de Miami logo ali no horizonte e, é claro, com a nova revolução, a dos mortos-vivos, que matam, devoram e transformam tudo em seu caminho.

Abordagem semelhante à de Romero em Terra dos Mortos (Land of The Dead, 2004) – onde os zumbis armavam uma inssurreição popular contra os burgueses, aqui o dedo na ferida é tão ardido quanto: Juan é um filme que avacalha o tempo todo com os debates ideológicos extremados, faz constantes críticas em formas de piada à política de seu país, mas tampouco ilude-se com a terra das oportunidades.

Nascido em um país cujo lema é “Pátria ou morte”, o pequeno grupo sobrevivente não tem pátria alguma; seus indivíduos o tempo todo são autores de gags escatológicas e de mau gosto, são pra lá de politicamente incorretos (dizem que não aguentam Cuba, mas também não querem ir para os EUA trabalhar). E os malucos preguiçosos são, justamente os heróis da história. Não o zumbi selvagem que desestabiliza a ordem vigente, tampouco o zumbi “ideológico”, radical seguidor do ideário comunista moldado por décadas. Tal como Shaun, Juan é um típico slacker, um introvertido e cético com o rumo que tudo tomou, e que antes da lenga lenga política, quer saber é de salvar o próprio rabo primeiro, já que as organizações sociais que lhes são oferecidas jamais parecem satisfatórias.

Brugués estava certíssimo quando disse em entrevista que poucos gêneros cinematográficos são tão propícios a oferecer uma abordagem criativa sobre temas sociais quanto o horror e a comédia. O gore grosseiro e os diálogos sacanas e histriônicos típicos de filmes de comédia que nos acostumamos nas últimas décadas combinam para, em um conjunto onde nem sempre tudo funciona organicamente, parir uma obra que esculhamba a vida cotidiana, faz troça da forma como o governo e o coletivo se relacionam mal com seus indivíduos e exige a tal transformação revolucionária de seus protagonistas caso eles queiram ficar vivos. E o cinema é a arte perfeita para que um desajustado sem grandes projetos para o mundo torne-se herói de algo.

Porque como acontece em todo bom filme de terror, a ordem é abalada, mas não há nada que entre em seu lugar para substituir e os protagonistas estão como os dois amigos que pescam no início da história: à deriva, perdidos entre ideologias, tendo que se acostumar com os novos tempos queira ele ou não.

Brugués mostra ter conhecimento da cartilha típica do subgênero e o filme realmente não foge a mesma; estão lá os atos introdutórios, o desenvolvimento e o final ambíguo, que minam tudo que era certo pouco a pouco e deixa o humano tendo que governar a si mesmo. O zumbi recorre e serve tão bem à temática social porque ele não é sobrenatural, único, lendário. É presente, coletivo, com necessidades bem físicas e gráficas. Ser explícito é quase inevitável e, ainda que Juan não inove muito na linguagem típica construída para o subgênero através de tantos filmes, séries, contos e jogos, diverte na readaptação dos mortos-vivos em outro contexto para tirar sarro de outro conjunto de ideias.

Pode-se dizer que o filme não foge muito ao caso de “ideia antiga com roupagem nova”, mas veste a camisa com muito orgulho em uma obra que ainda não seja tão consistente no todo, há tensão e adrenalina ininterruptos – é sangue, sangue e mais sangue pra ninguém botar defeito e há duas ou três gags sensacionais – algumas até quebram o ritmo do filme em nome da zoeira. Juan de Los Muertos é, antes de mais nada, a recusa muita séria de levar tudo a sério. O tom quente e urgente do “primeiro filme de zumbis cubano” é a principal cartada, junto a temática diferente, para chamar a atenção sobre um filme que não transgride mas que nem por isso compromete. E, claro, como todo bom filme cheio de conflitos físicos, sangue e miolos espalhados e cidades devastadas, divertido como o diabo gosta.

Comentários (2)

Raphael da Silveira Leite Miguel | quinta-feira, 25 de Julho de 2013 - 13:31

O filme pode até ter um diferencial dos demais por apresentar uma crítica ao governo Cubano de forma inteligente, porém o filme deixa a desejar em todos os demais aspectos. Claro que por não ser hollywoodiano, tem lá seus méritos pelo orçamento enxuto, mas eu não gostei. Talvez sirva de exemplo para quem pretende fazer um filme zumbi com uma boa grana.

Faça login para comentar.