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Críticas

Cineplayers

Um bom registro da história, não só da banda, mas da cena punk de Machester nos idos anos de 1970.

7,0

Antes de se tornar um produto, a atitude punk surgiu na década de 1970 numa Inglaterra cujos subúrbios estavam transbordando de insatisfação, com as cidades transformadas em grandes parques industriais onde os jovens tinham poucas alternativas: tornar-se operário ou encarar a realidade de um futuro sem perspectivas. Assim é que muitos deles optaram por aquela atitude niilista que costumamos associar ao termo "punk", aos moicanos, aos jeans rasgados, aos cabelos ensebados, e muita provocação. Num movimento que incluía a vontade manifesta em ser ouvido, muitas bandas surgiram sem grandes preocupações com educação musical. O importante naquele momento era desafiar o status quo com um som sujo e letras furiosas que deixassem clara a insatisfação e o tédio reinante entre a juventude.

Nesse cenário, Malcom McLaren transforma a Sex Pistols num produto que agrega todos os ingredientes do punk: barulho, Syd Vicious, Johnny Rotten, suásticas e uma linguagem nada polida. Aqui é que entra a Joy Division: Ian Curtis, o vocalista, conhece Peter Hook (baixista e vocalista), Bernard Sumner (guitarrista e tecladista) e Stephen Morris (percursionista e baterista) num show da Sex Pistols. E uma das coisas que me chamou a atenção neste documentário foi a descoberta de que o sucesso da Joy Division estava ligada ao fato dela ter sido a primeira banda a pensar essa mesma insatisfação punk sob uma perspectiva mais subjetiva. Com as letras densas de Curtis, o que se põe na mesa são as reflexões e as dores dessa mesma juventude.

Dirigido por Grant Gee, que traz no currículo a direção do documentário Meeting People Is Easy (1998), sobre a banda Radiohead, e roteirizado por Jon Savage, curiosamente um dos primeiros jornalistas a escrever uma resenha chamando a atenção para o trabalho de Curtis e seus amigos, o documentário conta com os depoimentos dos integrantes da banda, e também de pessoas que estiveram envolvidas em sua trajetória, como Tony Wilson, o famoso apresentador de tv que depois de alguns desacertos com o vocalista acabou sendo o responsável pela primeira aparição da Joy Division na televisão, além de Annik Honoré em pessoa, falando de sua relação com Ian e de como esteve preocupada com os sinais de profunda depressão apresentados por ele em sua letras, o que poderia ter sido a chave para evitar as condições que o levaram ao suicídio, levando consigo também a vida da banda. Deborah Curtis, a esposa traída, não aparece. Mas alguns trechos de seu livro - Touching From A Distance - são usados no documentário, tendo ela sido co-produtora de outro filme recente sobre a banda, a cinebiografia Control, dirigida por Anton Corbijn, que inclusive também aparece nos depoimentos deste documentário.

Interessante é que a linha perseguida pelo filme coloca o surgimento desta banda como um dos fatores que tornariam a cidade de Manchester, a qual três dos quatro integrantes pertenciam, uma referência no que diz respeito a produção de bandas de rock independentes, incluindo nisso o surgimento do selo Factory Records, propriedade de Tony Wilson. Assim, segundo nos diz o documentário, Manchester passou a ser conhecida mundialmente e saiu da insípida condição de cidade industrial à condição de cidade pop, cuja evolução da cena musical gerou gêneros como o punk rock, o pós-punk e mais tarde a house music. E para saber mais sobre a Manchester pós Joy Division basta assistir ao filme A Festa Nunca Termina (24h Party People) que tem Tony Wilson, a casa de shows Haçienda e o surgimento da música eletrônica como personagens principais. Mas esse é um episódio da vida da New Order, a banda formada pelos integrantes restantes da Joy Division.

Um sentimento reflexivo sobre as condições da morte de Curtis envolve o depoimento dos mais próximos sobre o episódio e humaniza a decisão, de certa forma mecânica, que levou Hook, Sumner e Morris a não pararem de trabalhar. Segundo contam, depois do enterro de Curtis eles se despediram com um “até segunda, então” e continuam na ativa até hoje. Annik, a jornalista belga que foi amante do vocalista é então escutada e não há dúvidas em sua emoção mal contida sobre o sentimento que os aproximou.

Assim é que Joy Division além de um bom programa para os fãs da banda é também um documento sobre uma das cenas rock que continua a influenciar músicos por aí.

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