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Críticas

Cineplayers

Mais uma felizarda adaptação para Stephen King.

8,0
Para o bem ou para o mal, 2017 está sendo o grande ano para as adaptações dos materiais de Stephen King, algo em escala muito semelhante ao que os anos 90 representaram para o autor com Louca Obsessão, Um Sonho de Liberdade e À Espera de um Milagre, para não mencionar exemplos menores. De qualquer forma, o foco em cima das histórias imaginativas de King já rendeu uma série recém-cancelada do conto The Mist, a atualmente em produção Mr. Mercedes, a aguardada e malfadada na mesma proporção A Torre Negra, o batedor de recordes It - A Coisa e este novo Jogo Perigoso, que chegou de fininho ao catálogo da Netflix nos últimos dias.

Publicada há mais de vinte anos, a história Gerald’s Game, adaptada por Mike Flanagan, parte de uma premissa banal até mesmo para os padrões de preferência de Stephen, onde o casal Jessie (Carla Gugino) e Gerald (Bruce Greenwood) resolvem lutar contra o marasmo da relação e embarcar em tentativas de apimentar seu casamento numa casa em meio à floresta, onde o marido propõe prender a esposa à cama com algemas, o que quase imediatamente desperta em Gerald atitudes estranhas no início do ato sexual. Ao se recusar a embarcar no jogo sexual do marido, este acaba sofrendo um ataque cardíaco fulminante e inesperado, morrendo ali mesmo à beira da cama e deixando Jessie acorrentada. Desesperada, só resta a Jessie buscar maneiras de sobreviver e escapar da situação ao mesmo tempo que passa a enfrentar conflitos não-resolvidos do passado.

Dirigido por um já consolidado Mike Flanagan (que misteriosamente ainda não recebeu a devida atenção mesmo após os chamativos O Espelho e Ouija - A Origem do Mal), o que realmente salta aos olhos durante a projeção de Jogo Perigoso é o desafio narrativo de trabalhar com basicamente dois atores dentro de um único cenário e recorrer aos arriscados flashbacks para ir lapidando a base conflituosa dos personagens, uma vez que o roteiro do próprio Flanagan ao lado de Jeff Howard pouco perde tempo na apresentação da situação principal, o cativeiro de Jessie. Em um trabalho bem pensado nos posicionamentos das revelações e aprofundamento no complexo de Jessie, Flanagan se revela habilidoso em tornar os flashbacks funcionais, e não meras distrações fora da trama original, o que permite que a obra prenda a atenção para além da situação inicial, o que por sua vez acentua o sentimento de tensão e apreensão da obra, que mesmo nos delírios de Jessie sabe como usar isso a seu favor para testar os limites físicos e psicológicos da personagem aprisionada.

E Carla Gugino, numa composição surpreendente para uma atriz que nunca havia chamado a atenção até então (apesar de que, convenhamos, seu currículo pouco lhe deu oportunidades para comprovar qualquer coisa), segura praticamente sozinha uma narrativa que se apoia completamente no desespero interior e exterior da personagem, que, limitada ao espaço de uma cama, conta “apenas” com sua presença física e força das expressões para nos convencer, algo que Gugino tira de letra aqui. Seu companheiro de cena, Bruce Greenwood (de onde surgiu aquele físico invejável?), se mantém como um ótimo suporte para as evoluções que Jessie sofre ao longo do desenrolar da situação, seu papel onipresente é de grande força.

Sem nunca se deixar levar pelo senso de repetição mesmo dentro de um espaço limitado, a câmera de Flanagan é habilidosamente sutil nos enquadramentos e na captura dos movimentos dos personagens, assim como é eficaz nas transições entre a situação real, os flashbacks e as alucinações (ou não) de Jessie. Jamais escondendo seu apoio no já mencionado Louca Obsessão, o diretor também é inteligente no aproveitamento das luzes e sombras que tomam conta do quarto, sugerindo com inteligência através da escuridão a presença de algo até sobrenatural. Neste último ponto é que Jogo Perigoso comete seu primeiro e considerável deslize, quando alonga seus momentos finais em diálogos inexplicavelmente auto-explicativos que derrubam boa parte do trabalho com a sugestão construído anteriormente, o que acaba deixando visível certas gorduras do roteiro provenientes da obra original de King que poderia ter sido deixadas de lado.

Mas isto jamais invalida o resultado extremamente satisfatório de Jogo Perigoso como experiência claustrofóbica, e por mais que o filme talvez não faça tanto barulho, muito devido aos holofotes que It ainda está roubando para si, é fácil colocá-lo no topo das mais felizardas adaptações de Stephen King, e por que não, talvez a melhor do ano sobre uma obra do escritor.

Comentários (3)

Paulo Faria Esteves | segunda-feira, 02 de Outubro de 2017 - 22:03

É curioso...gostei da premissa deste filme assim que a li e pensei que vinha de mais uma dessas mentes que fazem filmes do sub-género pessoa(s)-inesperadamente-presa(s)-num-local-e-têm-de-se-libertar-para-não-morrerem-de-inanição. E parecia ser isso, porque há mentes dessas a inventar premissas dessa diariamente.

Qual não foi a minha surpresa quando descobri que a) a ideia veio da mente do grande Stephen King😲 e b) este filme ainda recebeu alguma atenção de alguns sites de cinema. Como o CP!😁

No fim de contas, as minhas expectativas só aumentaram!

Antonio Montana | quinta-feira, 05 de Outubro de 2017 - 13:56

Boa crítica e bom filme. Sem contar numa das cenas mais aflitivas dos ultimos tempos.

Dáiron César Waick Schuck | quinta-feira, 23 de Novembro de 2017 - 00:49

Bah forçou a barra. Conjunto todo deu ruim. A premissa é boa (como praticamente todas oriundas do King), mas aqui logo ela é deixada de lado pro vazio tomar conta.

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