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Janela Indiscreta

(Rear Window, 1954)
8,9
Média
1305 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Hitchcock nos coloca de uma maneira voyer cativante, em uma de suas maiores obras-primas.

10,0

A facilidade que o mago Alfred Hitchcock tem em pegar situações simples, cenários mais simplistas ainda, e transformá-los em um antro de medo e tensão é algo indiscutível. Um dom que fomos presenteados de diversas formas de clássicos como Psicose, Um Corpo que Cai, Disque M para Matar, Festim Diabólico e Janela Indiscreta, o filme-tema desta matéria a seguir.

Filmado entre Novembro de 1953 e Janeiro de 1954, a história gira em torno de um jornalista chamado Jeff, interpretado por James Stewart, que está de ‘molho’ em sua casa, depois de quebrar a perna arriscando-se na produção de uma matéria. Como não tem nada para fazer durante o dia, ele passa a espiar o cotidiano de seus vizinhos, até que desconfia que um deles tenha matado a própria esposa e tenta provar isso para sua mulher e um amigo detetive.

Um enorme cenário foi construído nos estúdios da Paramount, contendo 31 janelas para o filme ser ambientado. Ele começa um pouco devagar justamente para apresentar aos telespectadores essa enorme vizinhança artificial, e isso não cai ao gosto de algumas pessoas, inclusive não caiu no meu, apesar de ser totalmente necessário para o entendimento do que está acontecendo ao redor.

O filme tem seu suspense apresentado de maneira crescente, a partir do momento da suspeita já citada. Uma coisa que achei bastante legal foi o modo com que tudo foi apresentado, nos colocando na mesma perspectiva do personagem, descobrindo as coisas com ele, nos levando a querer bisbilhotar o que acontece em volta também. No final já nos vemos em meio a situações que nos deixarão apreensivos e envolvidos completamente na trama, graças ao roteiro firme e bem estruturado.

Mas não é só de um roteiro excelente que o filme se vangloria. As atuações de James e Grace Kelly estão magníficas, contribuindo bastante para o clima proposto. Até mesmo o gênio Hitchcock faz sua aparição habitual (e discreta) ao consertar um relógio em um dos apartamentos. A fotografia, que começa com tomadas calmas e distantes, também evolui para um ponto dramático e com planos fechados, ou seja, tudo está em uma perfeita sincronia para a obra prima final.

Uma obra-prima do gênio Alfred Hitchcock. Apesar de eu ainda preferir Um Corpo que Cai e Psicose, aconselho esse para aqueles que querem cair de cabeça em uma trama simples, porém envolvente e cheia de mistérios. Rodado todo no mesmo lugar e com um início tranqüilo demais, não deve agradar a todos os gostos, mas quem gosta de um bom suspense cairá de cabeça nessa lição de como se fazer um filme que Hitchcock nos deu de graça com “Janela Indiscreta”.

Atualização da crítica (21/12/2003):

Quando escrevi sobre Janela Indiscreta, apenas há alguns meses atrás, sabia da importância do filme ao mundo do cinema, mas talvez não tenha explicado direito. Minha opinião não mudou muito, mas porque então reescrever uma análise (que por si só já é um fator bem estranho)? Pelo simples fato de que achei minha crítica, apesar de expressar bem minha opinião, estava incompleta em termos do significado entre Janela Indiscreta e o mundo cinematográfico. Sim, porque o filme é uma forte referência ao próprio Cinema, como veremos a frente, e talvez o melhor exemplo de como somos voyers do que está se passando na tela, de como Hitchcock estava um passo a frente de seu tempo e nos mantém da maneira que quer em suas mãos.

Para quem não sabe, o significado da palavra Voyer é sobre como nós somos expectadores de tudo o que está acontecendo. O Cinema é exatamente isso, mas Janela Indiscreta toma um tom literal para a palavra e nos envolve com uma história bem simples, porém muito bem contada, sobre L. B. Jeff (James Stewart), um fotógrafo que se acidentou após tentar mais uma de suas fotos mirabolantes, e está mofando há várias semanas em casa com a perna engessada. Sem ter o que fazer, passa a espiar os vizinhos, tornando a vida alheia parte do seu dia a dia. Certo momento, começa a desconfiar que um deles possa ter assassinado sua mulher e começa a fantasiar sobre o que pode ter acontecido dentro do quarto em frente ao seu. Todo um clima é criado e trabalhado de maneira genial em torno dessa premissa.

É com isso que Hitch brinca, constantemente, com nossa posição quando vamos assistir a um filme: todos somos espectadores e vemos exatamente o que os diretores nos mostram! Só que no caso de Janela, há diversas diferenças para o Cinema padrão. A primeira delas, e a mais gritante, é o fato de só sabermos sempre o que Jeff sabe, pelo fato de estarmos acompanhando suas descobertas da mesma maneira que o próprio personagem. E como espiar janelas alheias não é algo tão cordeal, temos a primeira característica clássica dos filmes de Hitch aqui, um herói não tão perfeito, mas que mesmo assim consegue a simpatia de todo o público. Quando Hitch, em certo momento, nos mostra algo com um simples movimento de câmera enquanto Jeff está dormindo, ele nos torna cúmplice de Jeff e tudo o que está acontecendo. É como se tivéssemos vontade de acordá-lo justamente para contar o que ele não viu.

A história de Janela Indiscreta é assinada por John Michael Hayes, e apesar de Hitchcock ter passado todo o tempo de produção do roteiro ao lado do escritor, ou seja, influenciando diretamente no resultado final da obra, não teve seu nome incluído nos créditos finais. É baseado em um conto de Cornell Woolrich, mas com os toques geniais que só Hitchcock sabia dar a seus filmes. Como? Simples. Vários elementos que aproximaram humanamente a história e as pessoas não haviam no original, como todos os vizinhos que rondam Jeff. Na história de origem, era só ele e a suspeita do assassinato, mas com a inclusão de várias histórias paralelas, como a mulher solitária, o compositor e a bailarina, nos aproximamos ainda mais da idéia que Hitch procurou alcançar.

O personagem de James Stewart (que fez vários filmes do diretor, como as obras-prima Um Corpo que Cai e Festim Diabólico) também, por si só, já é um grande corte em relação ao cinema tradicional. Ao invés de um mocinho super agitado, salvador de donzelas indefesas e com falas clássicas, temos um repórter fofoqueiro, preso a uma cadeira de rodas por causa de seu gesso. Com isso Hitch cortou as pernas do personagem e delimitou bruscamente o seu espaço de ação dentro do filme para seu quarto. A óbvia metáfora do quarto de Jeff com uma sala de cinema só pode ser considerada mais uma relação com o cinema em si, assim como as janelas poderem ser relacionadas a fotogramas de filmes, mas isso são tudo teorias já criadas ao redor do filme, que é uma aula sobre controle do padrão filme / espectador.

Outra presença forte e marcante na tela é, sem sombra de dúvidas, a de Grace Kelly. Linda, maravilhosa, dá o teor romântico (mais uma característica 'Hitchcockiana' básica no filme) à história. Seu primeiro plano, o momento em que ela se aproxima de Jeff a noite, enquanto ele está deitado na sua cama, é clássico e também um dos mais belos planos de uma mulher de todo o cinema. Reza a lenda que era impossível trabalhar em um set com ela e não se apaixonar pela pessoa doce que todos diziam ser. E isso não exclui Hitch, que tem como outra lenda uma paixão reclusa pela atriz. Thelma Ritter fecha as características básicas dos filmes de Hitch com o humor negro que a história pede, como quando ela fala sobre uma possível mutilação do corpo da vítima enquanto Jeff tenta devorar seu jantar. Resumindo todas essas características, temos um filme que resume tudo o que Hitchcock já havia feito e faria, a partir dali, em seus filmes, de maneira bem básica, mas extremamente eficiente.

O estúdio foi projetado exclusivamente para o filme. Essa afirmação pode parecer óbvia demais, mas quando paramos para descobrir o quão exclusivo ele foi, vemos quanto o nome de Hitchcock pesa em um projeto. Digo isso porque para fazer um cenário todo em estúdio como Janela Indiscreta pedia, seria necessário um espaço maior que todos os que os estúdios liberavam ao máximo. Só que quando a Paramount viu que quem estava pedindo era ninguém menos que Hitchcock, esvaziou os galpões subterrâneos de um de seus estúdios e montou um enorme cenário em suas locações, com todos os tipos de luzes possíveis: manhã, dia, tarde e noite. A janela de Jeff ficava a altura do chão, e todo o resto fora construído de maneira satisfatória e que não tivesse nenhum fator externo que pudesse atrapalhar durante as gravações, seja para cima ou para baixo (o pátio, por exemplo, ficava abaixo do nível do chão anterior do estúdio).

Quando falei agora dos fatores externos, me lembrei de um ponto legal a comentar: o som do filme. Claro que seria impossível ter um som de qualidade caso o filme tivesse sido realmente rodado em um quarteirão, mas como Hitchcock tem como característica o perfeccionismo, resolveu dar uma atenção a mais nesse quesito. Para manter a verossimilhança sonora, captou todos os sons externos ao quarto da janela de Jeff, ou seja, com a distância real entre a janela do protagonista e o espaço onde a ação externa realmente acontecia. Ou seja, quando ouvimos o som do piano, estamos ouvindo-o com a distância real que ele realmente estava do quarto. Lógico que hoje em dia tudo isso seria desnecessário, pois a mixagem do som poderia dar esse tom de distância que Hitch queria, mas nada como o velho modo de se fazer cinema e ter a certeza de que funcionaria. E como não vemos muita coisa do que está acontecendo, geralmente só temos os fatos 'sugeridos', o som torna-se uma peça importante no jogo de xadrez que Hitch vai montando. Sobre as músicas, já abrimos o filme (enquanto as cortinas sobem, clara referência ao início do filme, de um teatro, de um espetáculo) com um Jazz e a apresentação de Franz Waxman como responsável pela parte de música (sem Bernard Herrmann por aqui), e ele trabalhou tanto com trilhas de suspense quanto com musicas mais distraídas, sempre cobrindo o clima criado por Hitch com as imagens.

Janela Indiscreta é também um dos cinco filmes 'perdidos' de Hitchcock. Isso porque ele comprou os direitos sobre sua própria obra e os deixou como herança para sua filha. Os filmes (Janela Indiscreta, Um Corpo que Cai, Festim Diabólico, O Homem que Sabia Demais e O Terceiro Tiro) ficaram por anos inacessíveis ao público e quase foram perdidos em meio ao passar do tempo. No DVD há, inclusive, uma comparação bem legal do quanto foi importante a restauração da cópia, pois a camada amarela da película original praticamente não existia mais, então o filme foi submetido a uma pesada restauração para que a obra não fosse perdida, alcançando a qualidade impensável à uns anos atrás.

Acho que falei bastante e, sem precisar me derreter em maiores explicações, justifiquei o meu 'upgrade' na minha matéria. Era muita informação que aprendi sobre o filme e que, vendo a minha análise anterior, apesar de ainda concordar com ela, percebi o quanto ainda faltava complementar. Janela Indiscreta é uma obra prima do cinema, uma aula de Hitchcock e uma prova imortalizada com o passar dos anos de como somos voyers do cinema, talvez o maior exemplo já criado sobre o tema. É sentar, curtir o filme e tomar cuidado para não se ver espiando os vizinhos de verdade ao final.

Comentários (1)

Luiz F. Vila Nova | domingo, 27 de Setembro de 2015 - 15:26

Texto perfeito Cunha. Uma obra imortal do cinema que dá um verdadeira aula de suspense e metalinguagem. Tudo nele beira a perfeição (direção, atuações, roteiro, montagem, direção de arte, fotografia e som são os destaques). Hitchcock, gênio!!!

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